21.9.04

PLAY THAT FUNKY MUSIC 

Há madrugadas, noites ou mesmo tardes em que eu deveria ter ouvido os conselhos de papai e aprendido a tocar guitarra, de preferência com a pose certa, o que deve ser a parte mais difícil. "Mas onde estão as negas d'antanho?", pergunto-me: já abandonei uma profissão inteira, a advocacia, simplesmente por gostar de subverter os clichês abreviativos do ramo, escrevendo coisas como "a b. sentença", "o t. acórdão", "o f. magistrado a quo". As pessoas ficavam ofendidas ao ler essas expressões, embora eu as considerasse uma obra aberta. Alimentar mistérios confere poder psicológico, ainda que em prejuízo próprio: "este mito, esta lenda, este Zippo". Não supreenderei ninguém, portanto, se disser que o número de causas que venci não foi exatamente portentoso.

Um dos problemas é que todos os músicos do país são obrigados, de dois em dois anos, a compor jingles para campanhas políticas, sob pena de cassação de licença. As melodias e arranjos são idênticos aos dos hinos das igrejas evangélicas for dummies; as letras também, bastando substituir "Jesus" pelo nome do candidato e atribuir-lhe algumas qualidades redentoras a mais (se eu soubesse dizer "paralelismo sígnico" sem pensar em sacanagem, defenderia tese de doutorado a respeito). Além disso, o mercado para bandas cover masculinas das Go-Go's não parece muito promissor, apesar da nostalgia oitentista. O melhor dos anos 80, afirmo com a autoridade de quem esteve lá, é que o Brasil ainda era uma espécie de Creuza (com z) e morava no quarto dos fundos mental: ninguém que se prezasse fazia idéia da existência da buchada de bode ou da cerâmica marajoara. Mas as coisas boas se recusam a voltar.

Contos Licenciosos

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