30.9.04

Uma grande invenção

Dia desses, estava eu na casa da minha mãe perto da hora do almoço quando o telefone tocou. Meu pai, com sua voz saída diretamente de uma tumba qualquer, atendeu (não imaginem nenhuma delicadeza nas linhas a seguir):

”Aloooou. Quer falar com quem? Eduardo? (meu irmão) O Eduardo está trabalhando, quem é que quer falar com ele? (engrossando ainda mais a voz) PRISCILA DA ONDE E SOBRE QUAL ASSUNTO??? (veias saltando pelo rosto, já aos brados) NÃO, ELE NÃO ESTÁ E ELE NÃO TEM NADA COM O UNIBANCO, ELE JÁ TEM OUTRO BANCO E NÃO ESTÁ INTERESSADO EM PORQUEIRA NENHUMA DE UNIBANCO!!! E EU NÃO ESTOU AUTORIZADO A DAR O TELEFONE DO TRABALHO DELE!!!”

Pum. Telefone devidamente enfiado no gancho com toda a fúria do planeta. Ele vira-se para mim, que estou de olhos esbugalhados de pavor, e explica, ainda revoltado:

“É essa merda o dia inteiro, tudo o que é banco, pra mim, pro seu irmão, pra sua mãe, pra sua irmã, o dia inteiro! Aqui não tem essa não!”

Meu pai é aposentado. Passa dias, noites e madrugadas inteiras sentado no mesmo lugar do sofá, que já tem o buraco marcado com a bunda dele, divisórias e tudo. Na mesinha de canto logo ao lado, dois telefones sem fio, com as duas linhas da casa. Que tocam o dia todo, claro. E eis que o aposentado, que achou que teria uma vida inteira de sossego pela frente para ler o seu jornalzinho em paz, virou telefonista.

E ali, olhando para ele, para aquele talento em estado bruto, criei uma nova profissão, atualmente exercida somente pelo meu pai, mas que, aposto, em breve vai virar uma coqueluche: o atendente de atendente de telemarketing.

“Pai, seguinte, que tal ganhar um dinheirinho fácil sem fazer muito esforço?”

“Hein?”

“Estou te propondo um trabalho. Você vai ser meu atendente de atendente de telemarketing.”

“Como assim?”

“Simples: das 9 às 18h você passa a ficar sentado no sofá da minha casa, atendendo a todos os telefonemas. Com carta branca para se livrar das atendentes de telemarketing insistentes.

“E o salário?”

“Pago tudo em balas de tamarindo.”

“Nada feito, aqui na casa da sua mãe tem mingau de cremogema.”

Depois de negociarmos por meia hora, não houve jeito: meu pai se convenceu de que ele estava muito bem empregado, obrigado. E eu? Bem, eu precisava de um atendente de atendente de telemarketing. Então, coloquei um anúncio no jornalzinho da Urca:

“Procura-se aposentado rabugento, mal-humorado e sem um pingo de delicadeza para exercer cargo de confiança em empresa doméstica.”

Dois dias depois, o telefone tocou.

“Alô.”

“É daí que estão procurando um aposentado para trabalhar?”

“É sim, o senhor se enquadra nos pré-requisitos?”

“Escute aqui, pegue esses esses seus pré-requisitos e enfie no...”

“Ótimo, o trabalho é seu.”

Seu Oscar apareceu aqui em casa para seu primeiro dia de trabalho ontem. Segunda-feira, dia de começos. Ou, como diria seu Oscar, segunda-feira de cu é rola. Um doce de velhinho.

Saí para trabalhar tranqüila, com a certeza de que meus telefonemas estariam, dali em diante, recebendo a devida atenção. Veremos.

Epinion - mau humor, mentiras e fé patológica

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