Educação Sentimental (out of the blue)
Desde o primeiro dia de aula, Sérgio decidiu que Letícia era a mulher dos seus sonhos: bonita, gostosa, descolada, mas witty, culta e nada fútil. Computados areia e caminhão, ele decidiu pela aproximação indireta, porque o Sérgio, cês sabem, era exemplar imaculado daquela rara criatura, o “homem comum” –nem feio nem bonito, nem rico nem pobre, nem chato nem cool. Trabalhando com a cautela mineira que herdara do pai, mais ou menos por volta do terceiro semestre tinha cavado um lugarzinho no círculo de leais escudeiros de Letícia, e por conta disso recebia migalhas de afeto e montanhas de informação sobre a complicada vida sentimental dela –o professor com quem ela saía, o cara casado com quem tinha um caso, o namorado cineasta. Sérgio tinha ciúmes, se roía, mas agüentava o tranco, sempre arrazoando que melhor um pouquinho do que nada. A areia, o caminhão.
O que Sérgio não sabia, então, é que Letícia era dessas moças instintivamente inclinadas a manipular o afeto de todo mundo que a cercava, posicionando cada planeta e satélite cuidadosamente com respeito ao Sol de seu ego descomunal. E a cada vez que os elementos do sistema solar leticiano começavam a se desalinhar por efeito de manguaça ou das demais substâncias recreativas tão populares entre os universitários, a polícia gravitacional interferia, na forma de Letícia se fazendo de desentendida diante das tentativas de expressar amor, ou concupiscência, vindas dos planetinhas insubordinados. O que Letícia compreendia sem esforço, e seu séquito ainda não, era o valor da stasis, dos conflitos irresolvidos, do balanço perfeito entre exasperação e esperança que deixava todos os elementos pendentes de seu sorriso ou de sua cara feia, sempre disponíveis e nunca recompensados.
E isso durou por mais algum tempo. No sexto semestre, o sistema ruiu, porque Letícia houve por bem traçar o namorado de uma das meninas que a seguiam como groupies. Partidos foram tomados. Queixas berradas em público. Turmas cindidas. Ao final do processo, restavam a Letícia Sérgio e mais ou três basbaques, um dos quais aluno de segundo ano. A redução do território fez com que Letícia aumentasse a dose de migalhas: beijou Sérgio em uma festa. Disse que, se não fossem tão amigos (suspiro)... Intensificou as confidências, com detalhes cada vez mais dirty. Sérgio vivia momentos de expectativa torturante: a cada festa, cada encontro, a tantalizante possibilidade arfando ali a centímetros de seus olhos. Até o dia em que, por acaso, flagrou Letícia beijando o moleque do segundo ano no corredor escuro de uma festa. O moleque sempre fora alvo de afetuosa chacota por parte dos veteranos astronautas letícios: a trêmula insegurança dele na presença da musa, o olhar que não conseguia desviar dela. Claramente, o menino era café-com-leite no prolongado campeonato do “um-dia-eu-como”. Mas ao flagrar o beijo, o que Sérgio viu foi o seu beijo. Ao assistir à tentativa do moleque de prolongar ou aprofundar a experiência, Sérgio se viu exatamente no mesmo lugar, fazendo o mesmo, e se imaginou ainda ali, 30 anos mais tarde, sempre à espera das migalhas aspergidas de acordo com os caprichos de Mme Sol. E, em voz alta, assustando o casal, disse “nem fudendo”.
Sérgio nunca mais saiu com Letícia. Se a vida fosse um filme, ele teria encontrado closure em algum momento de epifania, ou a musa teria enfim reconhecido o verdadeiro amor, aquele que supera todos os obstáculos blablablá. Mas nossa história termina no banheiro masculino da faculdade, com o cauteloso Sérgio disfarçando a letra e escrevendo “Letícia chupa. 262-5597".
Filthy McNasty
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