9.4.05

O Rio de Janeiro está uma loucura

Ir ao Rio nunca é uma empreitada tranqüila. As ruas do centro da cidade explodem gente pelos bueiros. O calor derrete o cérebro, forma uma bolha em volta do corpo e você pinga e pinga no meio-fio junto com os aparelhos de ar-condicionado. Ok, a imagem é vagabunda, meu cérebro ainda está pastoso, mas a sensação é essa. Daí, a gente foge do bafo quente direto pra dentro de um táxi geladinho e o motorista, muito solícito, nos presenteia com relatos escabrosos de seu cotidiano no ofício. Você já está com medo porque não mora no Rio, porque fugiu do Rio, porque sabe o que aconteceu com você lá e o que ainda acontece e blablablá, e o motorista lhe conta por exemplo em detalhes como foi quase degolado e baleado por uma dimenor estudante branca e uniformizada que queria roubar-lhe a féria do dia e o carro, o que ela conseguiu. E que o delegado conhecia a mencionada assaltante mirim mas não podia fazer nada porque ela era dimenor etc. e tal. Que uma loura com pinta de executiva, sua cliente habitual nas corridas, era assaltante de políticos ricos e famosos. Que uma carreta acabou de passar por cima de um ônibus que vinha na contramão matando não sei quantos porque você não se lembra. Daí você paga o táxi, sai do geladinho e entra na bolha quente de novo porque marcou com seu amigo na porta do restaurante geladinho que NÃO PERMITE QUE VOCÊ FUME. Você entra porque já se cansou e fica sem fumar. E você e seu amigo ficam putos porque ambos fumam. Mas a saudade é maior e vocês esquecem, começam a conversar e pedem salada pro garçom porque o corpo está quente e vocês não agüentariam comer nada quente. Então o amigo quer saber de você, quer saber da nova cidade em que você mora porque você abandonou o Rio e ele quer saber como você está se virando e se sentindo. Hum-hum, tá legal, você conta. Depois pede pra ele falar do Rio. Ele conta uma fofoca política quente, nem bem uma fofoca mas um rumor à boca pequena dos cariocas, que eu não posso contar aqui e isso é uma merda, mas os cariocas falam de alguém que possivelmente está com câncer e eu abro a boca ããã e fecho. O amigo conta outras coisas mais, de lavagem de dinheiro de uma famosa empresa digamos que do entretenimento e você ããã porque não sabia, mas os cariocas sabem. Os cariocas que vivem lá sabem. Você toma um chope, pede outro, ninguém fuma e um grupo de bailarinos entra no restaurante. Não para bailar. Os bailarinos comem pizza. Você olha pra eles porque há muito tempo não vê bailarinos ao vivo. O amigo conversa, você ouve. Você conversa, o amigo ouve. O Rio é o Bronx, a Broad Street. Mas você não se droga mais. Nem fuma um cigarro. Na saída do restaurante, sob um céu estrelado e quente, vocês fumam enfim e se despedem. Um avião passa bem acima da sua cabeça direto pro Santos Dumont. Você sente vontade de chorar. Estou morrendo de saudade. Você canta. Mas saudades não pagam dívidas. Você entra na bolha fria de outro táxi. Para um pouco mais de mim, tecle zero.

Prosa Caotica

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