2.5.05

IDÉIAS E MARTINI

Idéia não pode ser paparicada, estragada, só porque foi tida. Idéia tem que ser jogada ao relento, com dez reais no bolso, para se virar sozinha. Morte aos parideiros que se jactam, com a volúpia – uh – fazendo o olho boiar: “Tive uma idéia!”. A estes devemos devolver um olhar de nonchalance e resmungar: “Pois eu não tenho idéias, não deixo a ninguém o legado do meu miserê ” – só para ver como fica a cara do parideiro de idéias. Idéia tem que ser negligenciada por um longo período, para não crescer achando que é gente. Devemos ter notícia da idéia só de tempos em tempos, para ver se, sei lá, precisamos enviar uma ordem de pagamento. A um amigo que se lembra e diz, imaginando agradar, “Ei, vi sua idéia anteontem!”, devemos murmurar um “Sei” mais seco que o martini do Rick’s Cafe Americain. É bom ficarmos sabendo que nossa idéia, no mês passado, foi confrontada num beco por uma gangue de imigrantes portorriquenhos ou de skinheads. É bom sabermos que ela apanhou – idéia precisa apanhar – e urge que camuflemos o discreto orgulho pelo fato dela também ter dado uma porradinha aqui e um chute ali. Morte a quem anda com foto da idéia na carteira. Longa vida ao ladrão de idéias, que na primeira esquina as assalta sem clemência: “É para edificar o caráter delas”, dirá ele à polícia, e a polícia precisará acreditar. Se soubermos que a idéia não resistiu à penúria e saiu assaltando também, reajamos com a indiferença de quem acabou de ficar a par de um detalhe estatístico. Se recebermos um telefonema às dez da noite informando que nossa idéia gerou outra idéia, devemos bater o fone e não sem antes dizer “Não é problema meu”. E torcer para que a idéia seja minimamente sensata e siga nosso exemplo. Mas não torcer muito, pois não se torce por idéias. Um dia, então, baterão à sua porta e você a princípio não vai reconhecê-la. Vai ver no semblante dela o background de quem apanhou, foi distorcido, mal aproveitado, explorado, mal inserido no contexto – mas o melhor: não cedeu à facilidade de posar de vítima. Aí, naquela fisionomia calejada e um tanto austera você de repente vai vislumbrar o seu semblante. Então cuidado: chame-a para entrar, pergunte o que ela toma e muita, muita atenção – não vá pôr tudo a perder agora, seu velho sentimental – para, no preparo das bebidas, virar o rosto na hora certa e evitar mostrar o lampejinho no olhar, o lampejinho aceso pela lembrança de quando você a acalentou assim que ela foi tida. Fique esperto: só depois disso é que você vai virar de novo o rosto e, sim, perguntar se ela prefere o martini dela com azeitona.

Ao Mirante, Nelson!

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