O outro bicho
Glorinha às vezes sente culpa por estar com ele, pensando no outro que se foi. Projeta as virtudes, procura semelhanças e, exatamente pelas tantas afinidades, ela o tem consigo.
Diziam que isso lhe faria bem, que era essa mesmo sua função, dar guarida, acompanhar, dar carinho, aplacar a carência. Não que discorde, mas ela não se sente totalmente confortável com isso.
Com prazer, compra a comidinha, as roupinhas, paga o banho, os cuidados especiais. Escolheu a raça que mais juntava os atributos do amor que se foi.
Chega a ser engraçado encontrar semelhanças entre homem e cachorro, mas sua carência é tanta que o usa, descaradamente, para superar a dor da perda.
Ela o vê em casa. Faz um carinho e ele, a seu modo, retribui. Ela sorri, tenta supor que ele também. Mas, em verdade, ele está deitado, olhando ao vazio. Talvez dormindo, ele sempre dorme.
Não importa.
Glorinha, mesmo culpada, sabe que lhe fez muito bem ter trazido para casa esse cara, porque não agüentava mais sofrer pela perda de seu amado cãozinho.
Cachorrada no Bico de Pena
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