Manhã de segunda-feira. Chuva.
Se estivéssemos em 1982, eu acordaria sem preocupações e ficaria brincando até a hora da escola. Em 1983, inventaria programas e entrevistas e passaria a manhã inteira fazendo gravações com meus irmãos no meu super-gravador-portátil. Em 1984, a manhã seria pequena para ler todos os livros que eu teria trazido da casa do meu avô no domingo.
Em 1985, perderia minutos preciosos de sono chorando na frente de um copo de nescau que eu não queria beber. Em 1986, calçaria um tênis de cor "proibida" pelas regras da escola e planejaria a estratégia para entrar sem ser vista pelo inspetor, como se esta fosse a maior transgressão do universo. Em 1987, correria para o espelho para verificar se o cabelo estava num "dia bom" e passaria lápis azul no olho, porque o ridículo não tem limite nem idade.
Em 1988, daria graças a deus por voltar a estudar à tarde, ficaria lendo, ouvindo música e a chuva seria uma desculpa para não ir ao mercadinho comprar um ingrediente de última hora pro almoço. Em 1989, inventaria histórias para não fazer aula de educação física. Em 1990, amaldiçoaria o despertador e testaria a cada dia sair de casa um minuto mais tarde e andar mais rápido.
Em 1991, teria vinte minutos entre o despertar e o início da primeira aula, e bateria todos os recordes de velocidade conhecidos. Em 1992, pensaria, "mas não levanto da cama com chuva pra ir à aula nem que me paguem". Em 1993, dormiria até a hora do almoço.
De 1994 até 1997, levantaria com cada vez mais esforço e iria me arrastando pro trabalho enquanto tentaria lembrar dos detalhes do fim-de-semana e juraria que nunca mais iria beber.
Em 1998, nem cogitaria levantar cedo pra atravessar a poça com chuva. Em 1999, pensaria se já não era hora, afinal, de comprar um guarda-chuva. Em 2000, não teria tempo de pensar em nada enquanto saía de casa correndo, acumulando trabalhos e sempre atrasada.
Em 2001, sairia para trabalhar com prazer enquanto faria contas e mais contas, descobrindo que montar uma casa não é brincadeira. Em 2002, descobriria que trabalho nem sempre é prazer. Em 2003, não precisaria acordar depois de passar a noite em claro fazendo contas e mais contas e descobrindo que manter uma casa também não é brincadeira (mas é um prazer). Em 2004, voltaria a fazer planos e acordaria com um sorriso no rosto.
Em 2005, acordaria com um telefonema do meu chefe e perguntaria porque, afinal, não podemos ficar em 1982 para sempre.
bocozices
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