Escrever cartas
Eu devia escrever cartas. Cartas escritas à mão são mais demoradas, mas são uma prova de dedicação. Têm o cheiro da pessoa ali. Têm os vincos da caneta, feitos pela força dos dedos. Têm o cheiro, da mão deslizando segurando a caneta. Têm o tempo, em que a pessoa parou de fazer as outras coisas que a vida pede. Ver TV, pagar conta, comer uva, transar ferozmente até quebrar todas as ripas do estrado, ela podia estar fazendo tudo isso, mas tirou um tempo e escreveu pra você. Enquanto escrevia, pensou em você. Em falar coisas pra você.
Coisa bonita que é uma carta. Tanto calor, tanta intimidade, tantos protocolos invisíveis (cidade, dia de mês de ano. Querido destinatário: comigo está tudo bem, e você?, gostaria de dizer que, foi tão legal, como seria bom que você estivesse lá também, finalizando gostaria de dizer, volto a escrever mais vezes, aguardo sua resposta com ansiedade, beijos e abraços, Remetente).
E os pê-esses. P.S....Post-scriptum. Aquilo que é escrito depois do escrito. A carta devia ter acabado, mas você volta com mais uma lembrança, mais um beijo, mais uma vez a caneta corre, pois o texto normal não contém você inteiro, e sempre há chance de dar mais pedacinho de si. E você continua, P.S.: diga a alguém que pensei nele, P.S.: Vou resolver o que você me pediu, P.S.: veja no jornal a minha foto.
Os pê-esses são pequenas provas de amor que ficam no fim da declaração de amor que é a carta, mesmo sendo uma carta de notícias, de amigos, de receitas. Os pê-esses são os escritos que vêm após o que já foi escrito, como se já não bastasse tanta entrega, tanta atenção dada ao fazer da carta, e você continua um pouco mais. Como aquele que se afasta e vira pra dar mais um sorriso, o pê-esse faz a despedida ser mais suave. Sim, está acabando, mas eu não quero que acabe, vamos findando aos poucos.
E quando o pê-esse acaba, e ainda tem mais de você pra colocar na carta, você faz o post-post-scriptum. P.P.S. Pê-pê-esse. Coisa mais linda, é praticamente um bombom com duas castanhas dentro. Mais um pedaço de amor, "me deixe ficar mais um pouco com você, pois essa despedida não é da minha vontade, foi esse dia malvado que inventou de ter só 24 horas, e me deixar sem tempo de te escrever".
Preciso escrever cartas de papel, cheias de pê-esses no final, repletas de quem eu sou e de quem eu quero ser. E vou. E vou.
Beijo grande,
Menina Prodígio
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