Nem tudo está perdido
Um conto de Natal se repete todos os dias em Santa Cruz
Rosana Monteiro é uma jovem veterinária de Campo Grande, nascida e criada em Santa Cruz, onde até hoje residem seus pais, e onde, com a ajuda do marido George e do amigo Artur, alugou uma casinha modesta mas acolhedora. Junto com George, consertou o que precisava ser consertado, conseguindo material de construção e tintas em promoção e descobrindo a mágica de criar novas cores usando pó Xadrez. Percorreu brechós e, com o restinho das economias, comprou dez carteiras escolares. A organização Viva Mais Feliz estava pronta para funcionar.
"Nosso bairro, Santa Cruz, o último do Município do Rio de janeiro, também é o último na lembrança dos nossos governantes", escreveu em seu blog. "Aqui se encontram o CCZ e os maiores conjuntos habitacionais (o que nos faz pensar que aquilo que incomoda deve-se manter distante), gente humilde e gente do bem. Aqui não se encontram cinemas, teatros, eventos culturais, de cidadania ou de meio ambiente --apenas em época de eleições, já que aqui está o maior curral eleitoral do Estado. Quanto ao IDH, Santa Cruz ocupa a 119º posição, em uma lista que vai do 1º ao 126º."
Hoje, as dez carteiras de brechó recebem alunos especiais: adultos e jovens com dificuldades de aprendizado, que não sabem ler nem escrever, e a quem Rosana aos poucos ensina não só as letras, mas a cidadania e o amor às pessoas e aos animais. Seus auxiliares de trabalho são a gata Basted, os cães Nina, Carmessita e Biju, e a galinha Xirley -- todos salvos do CCZ, o Centro de Controle de Zoonoses, ponto final da famigerada carrocinha e da vida de tantos bichos. O seu papel é descontrair o ambiente, interagir com os humanos, dar e receber carinho.
No blog, sob uma foto da salinha de aula, Rosana escreveu:
"Aqui já existe uma turma de alfabetização em evolução. Pessoas do bem que tiveram suas vontades reprimidas, ou porque foram à luta cedo demais, ou porque são pessoas especiais, ou porque ficaram órfãs. Enfim, todos os motivos justificam o nosso desejo em realizar seus maiores sonhos: aprender a ler e conquistar respeito. Aqui não existe vergonha, existe coragem. Aqui todos compreendem o quanto são importantes. Encaram o preconceito como forma de teste. Sabem que ignorantes são aqueles que os desprezam."
-- As pessoas acham que sou maluca, -- me confidenciou Rosana. -- Perguntam por que não abro um consultório e vou ganhar dinheiro, ou por que gasto meu tempo ensinando a adultos, quando é tão mais fácil ensinar crianças. Mas você não imagina a ânsia de aprender que eles têm, como se sentem vitoriosos a cada letra aprendida, a cada sílaba decifrada! Você não imagina como é humilhante para eles carimbarem o dedo em vez de assinar o nome num papel. As dificuldades são enormes, mas não há recompensa maior do que ver as sementes do trabalho germinando. O dia em que o Sebastião apareceu com a carteira de trabalho assinada foi um dos dias mais felizes da minha vida.
Este dia está, naturalmente, anotado no blog:
"Sebastião, um dos alunos da turminha de alfabetização, estava desempregado... mas não está mais. Todas as portas se fechavam, porque nem seu nome sabia escrever. Mas Sebastião não perdeu as esperanças e nós sempre acreditamos em seu potencial. Aprendeu a assinar seu nome em poucos dias, ainda não sabe ler, mas já vê uma pontinha de luz, a que lhe devolveu a dignidade.
-- Hoje eu assinei uma ficha no emprego!
Sebastião conseguiu.
-- E assinei no banco também!
Ao perguntar como havia se sentido, ele respondeu:
-- Me senti gente.
Todos aplaudiram."
O trabalho de Rosana não fica restrito às quatro paredes da sala de aula. Ela atua junto à comunidade, pregando a posse responsável de animais, vacinando e castrando cães e gatos, conversando um pouco aqui, dando um conselho ali. Às vezes, descobre gente como a dona Sirleidi:
"Catadora de papelão, aceita qualquer coisa que possa ser vendida no ferro velho. Uma senhora mais forte do que o peso que carrega, empurrando seu carrinho por quilômetros, todos os dias. O que Dona Sirleidi espera? Poder alimentar mais de 50 cães de rua que encontra pelo caminho. Alguns a acompanham por todo o percurso.
-- O que tenho todos os dias é demais pra mim, eles é que precisam comer.
Dona Sirleidi não conhece o conforto, não espera mais do que o simples fato de conseguir, diariamente, doações de sucata.
--Tem papelão hoje? Porta velha, telha, garrafa plástica, vergalhão?
A justificativa que já usamos muitas vezes, 'Não faço porque não tenho' ou 'Quando tiver farei', me faz sentir vergonha neste momento, ao conhecer Dona Sirleidi.
-- Se eu não aparecer, eles morrem de fome."
Pois é. Eu achei que, nesta semana de Natal, depois de passar o ano lendo a respeito de tanta gente safada e mal intencionada, vocês gostariam de saber que também existem pessoas como a Rosana e a dona Sirleidi nesta nossa Mui Leal e Heróica. Se quiserem ajudá-las, basta acessar o link.
internETC.
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