23.2.06

“The same old places and the same old songs”

(Camiseta branca. Se elas soubessem o efeito que camiseta branca... É claro que ela sabe o efeito da camiseta branca, you idiot. Mas pelo menos podia não dançar daquele jeito... Yo, se a sua chance é zero, melhor ver a camiseta branca dançando do que não ver a camiseta branca dançando.) Curva do balcão, em uma era na qual uísque ainda constituía raridade em meu orçamento. O baixista, que acabara de crocar sua primeira entrada em dois anos de banda, paga uma rodada de cerveja. Brindes. Todo mundo meio que grita para superar o zumbido do set recém-encerrado -que ainda nos ocupa os ouvidos- e a música enlatada que vem da pista. Papo de músico: temos mais uma entrada. (Na pista, ela e a amiga ensaiam uma coreografia engraçadinha, e riem, riem: maconha, seria o meu diagnóstico. Ou, melhor, pior, nem sei: talvez alegria.)

Lentamente a banda se dispersa: xaveco, banheiro, fumar quantidade desumana da erva mardita no estacionamento do bar. Eu consigo espaço na última banqueta do balcão, encostada à parede, e me dedico a anotar diagramas de arranjos em um guardanapo de papel. De vez em quando alguém me cumprimenta, pede música. Mas em geral passo despercebido. (Bem que podíamos fechar meia hora mais cedo, hoje: amanhã, trampo, às sete e meia. Um dia, tocar foi a melhor coisa do mundo. Agora é só mais um jeito de zerar as contas.) Camiseta Branca e a amiga se aproximam do balcão, na diagonal oposta ao lugar que ocupo. (Nada de encarar, you idiot.) Continuo rabiscando o guardanapo, com aquela sensação paranóica de que alguém está me olhando. (Ela está olhando: melhor não agir como um idiota, you idiot.) Levanto os olhos, trocamos um sorriso. Ela e a amiga voltam para a pista. (O sentimento que vai definir o resto da tua vida, young padawan, é exatamente essa mistura de decepção e alívio que assoma quando você a vê se afastando: treasure it.)

Última entrada, longa: o dono do bar sempre pede meia hora a mais, caso as vendas de bebida continuem fortes por volta da uma da manhã. Camiseta Branca e a amiga dançam na beirinha do palco. (A cada vez que ela sorri, esqueço a letra. “Gold Coast slave-ship bound for cotton fields”, já cantei essa nhaca 750 vezes.) Quando o show acaba, restam sempre os mesmos dois grupos: os bêbados, que estariam ali mesmo sem música, um pouco mais felizes porque em noite de show o bar fecha mais tarde; e a macambúzia catigoria dos tentando-comer-alguém. Enquanto recolho guitarra e amplificador, Camiseta Branca e amiga, ainda sorridentes, rejeitam cinco abordagens. (Tá vendo, idiota? Rejeitar é o grande prazer das mulheres.)

No apartamento dela, saindo do banho às sete da manhã, já atrasado para o trabalho, peço uma camiseta emprestada. Sonolenta, ela aponta para uma gaveta. Visto a maior camiseta que encontro –branca-, e digo: “Se vocês soubessem o efeito que isso causa na gente...” Ela sorri com cara de quem sabe perfeitamente o efeito que isso causa na gente, estende os braços para um abraço e cai dormindo. O sol murcho de outono me recebe com a mais perfeita indiferença, lá fora.

Filthy McNasty

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