12.4.06

Abecedário: Gold

Pete Johnson ao piano e Big Joe Turner cantando “Since I Fell for You”, no som do carro às duas da manhã depois de uma longa e frenética noite no escritório. Ao meu lado, Gi, a moça bonita, charmosa e discreta que todos nós gostaríamos de etc., e que eu provavelmente gostaria de mais que etc., comenta: “Uau, que coisa linda”, apontando para o toca-fitas. Eu aceno com a cabeça, concordando, concentrado em não olhar para as pernas dela exibidas pela minissaia e em não começar a cantar junto com a música.

O velho truque da carona-depois-do-sêuvísso, Fudílson? Coisinha mais chulé de se fazer (especialmente se você tem que disputar o posto com mais três caras). Mas a verdade é que ela trabalhava no meu grupo, ou seja, tecnicamente me conhecia melhor do que aos demais, e sua casa ficava de fato no caminho para a minha. (Um dos caminhos, pelo menos.) E quando ela se despediu com um sorriso e um último aceno assim que o portão do edifício se fechou, eu dirigi cantando até em casa, e fui dormir com um sorriso idiota nos lábios, porque mulher que gosta de Big Joe Turner alegra o coração até do mais empedernido entre os cafajestes.

Nos momentos cafajestes da existência, há algo de irresistível nas moças virtuosas. Gi, com a aliança de noivado no dedo e a foto do beau que estava concluindo estudos fora do país enfeitando a mesa, era tanto mais inacessível quanto mais presente. Ao contrário das moças who play hard to get por motivos táticos, ela sempre conseguia deixar muito claro que não estava disponível, e ao mesmo tempo manter o humor, o charme, até o flerte ameno que, na vida dos escrotórios, serve como uma espécie de reconhecimento tácito de que I dig you as a person, ou coisa assim. (Como Gi mesma definia, “aquele olhar de eu-daria-pra-você-mas”.)

Mulheres como a senhorita Gisele são o mais dolorido teste de escrotidão –se o sujeito decide que, what the hell, ela é diliça o suficiente para que ele insista e pelo menos tente vencer pelo cansaço, parabéns: trata-se de um calhorda de sexta categoria. Se –como eu diante dela-, o sujeito decide que, yo, abrir assédio contra uma moça desse tipo é moralmente inaceitável, parabéns: trata-se de um calhorda de sexta categoria do mesmo jeito, porque como explicar todas aquelas outras moças que foram cafajestadas sem que argumento moral algum se interpusesse?

No dia do casamento de Gi com o sujeito por quem ela esperara com tanta paciência, bebi bem mais do que costumo. Na saída do salão, um raio de sol rompeu o bloqueio da inversão térmica paulistana e fez cintilar a aliança na mão com a qual ela acenava em despedida antes de embarcar no carro caprichosamente decorado por todos os caras que, como eu, sentiam estar perdendo, nela, alguma coisa que não conseguiam definir tão bem quanto gostariam: o brilho inatingível daquilo que não nos é destinado. (Dois ou três anos depois, o marido de Gi a trocou por uma argentina a quem salvou de afogamento em aula de windsurf no litoral de SC. Gi descontou fazendo o óbvio com boa parte de seu imenso fã-clube. ‘Twas great fun, mas certo ex-cafajeste que eu conheço saiu um pouquinho decepcionado.)

Filthy McNasty

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