3.8.06

Mas como dói

Eu não tenho porta-retratos na parede, na minha mesa nem no desktop do computador, no trabalho. Primeiro porque eu já tenho as imagens dos meus queridos tatuadas onde importa - ou seja, right under my skin -, não acho que a alguém mais interesse que cara eles têm, e depois porque a mesa já tá mesmo atulhada de outras coisas. Além do mais, pra que mesmo é que as pessoas têm porta-retratos no trabalho ? Segundo o Seinfeld (ou o Larry David, vai saber) é pro sujeito não se esquecer de que tem família. Sabe como é, chega o fim do expediente, a pessoa se levanta pensando “agora eu vou encher a cara, sair por aí, pegar umas mulé” (ou dar pruns carinhas, conforme o sexo e a inclinação do(a) trabalhador(a) em questão) e aí, pá, bate o olho nos porta-retratos e imediatamente a ficha cai, o superego acorda e o quem-é diz “uh-oh, não vou poder, olha só, acabei de lembrar que eu sou casado e tem gente me esperando em casa...”. Mas essa é a teoria dele, ou deles. A minha é de que as pessoas mantêm os retratos dos filhinhos inocentes e zoiúdos, da amantíssima esposa, da mãe velhinha, do marido sensacional e dos bichinhos de estimação indefesos, todos ali montando guarda em cima da mesa, encarando firmemente o cidadão, só pra ele não perder as estribeiras a cada vez que ouve uma barbaridade, sofre uma grosseria ou leva um golpe no amor-próprio no horário comercial. É como se as fotos dissessem “Não, papai (ou querido, filhinho etc., cê entendeu), não mete o pé na boca do seu chefe, não chuta a bunda da recepcionista, não dá um rabo-de-arraia no colega, não chama o patrão de babaca, não manda ninguém enfiar o emprego, a vaga na garagem, o contra-cheque lá onde o sol não bate, por favor... você tem que nos sustentar, lembra ?”. E aí me ocorre que talvez seja por isso que eu não tenha parado por mais de dois anos (ou, nos últimos casos, de alguns meses) nos meus últimos empregos : por falta de porta-retratos com chantagem sentimental e despertador de prudência incluídos. Eu continuo satisfeita aqui e continuo não querendo botar as fotos do meu lindo gatinho e da minha gata em cima da mesa, expostos à perscrutação, perguntação e avaliação públicas, mas como nenhum lugar é perfeito, é bem possível que em breve eu também acabe precisando de uns hiperegos desses. Hmmm... será que fica muito estranho se eu emoldurar e colocar em cima da mesa os carnês do plano de saúde, do condomínio, do telefone, da água, da TV a cabo, do provedor de internet... ?

cyn city

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