11.11.06

Onde se ilustra a sobrevivência dos mais aptos

Eu mato as pessoas.

Mas não como todo mundo, usando as mãos, armas ou palavras.

Eu sou diferente. Eu só preciso pensar.

Esse dom surgiu aos poucos, e só me dei conta dele pela primeira vez na escola. Talvez por eu ser muito magrinho e míope, muitos garotos zoavam de mim. Até que um dia o Carlinhos não veio mais à escola. O Carlinhos era o fortão da turma e era o que mais caçoava de mim. Um dia eu tomei coragem e perguntei para a professora o que havia acontecido com o Carlinhos. Ela olhou para mim com uma cara de tonta e perguntou:

_ Que Carlinhos?

Depois de mais alguns desaparecimentos, eu comecei a perceber que as coisas estavam relacionadas. As pessoas que eu queria que desaparecessem desapareciam, e não apenas deixavam de existir: era como se nunca tivessem existido. As outras pessoas simplesmente deixavam de se lembrar delas. Só eu me lembrava delas.

No início eu achei que isso era um dom. Poder remover do meu caminho todos aqueles de quem eu não gostava, como se estala os dedos. Só que com o tempo descobri que a gente não consegue gostar o tempo todo de uma pessoa. E comecei a perceber que mesmo as pessoas de quem eu gostava a maior parte do tempo de repente sumiam, só porque um dia ou outro eu brigava com elas, e era difícil controlar os pensamentos e deixar de pensar: "suma daqui!". Como resultado, eu quase nunca tinha amigos, nem namoradas. Especialmente as namoradas desapareciam bem rápido, o que era triste, porque eu era muito magrelo e feinho e era difícil uma menina gostar de mim.

E isso acabou me deixando muito triste e deprimido. Eu já quase não saía de casa. Minha mãe percebeu isso e hoje de manhã entrou em meu quarto para uma conversa.

Ela entrou, sentou na beirada da cama, olhou bem para meu rosto e disparou:

_ Meu filho, você é gay?

Ela podia ter perguntado isso, ou se eu queria ser padre, ou se eu votava no PFL. Tanto faz. Eu só sei que fiquei com muita raiva dela por ela ter pena de mim. E ela sumiu.

***

E é por isso que eu quero mor

O Hermenauta

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