7.2.08

Careca, enfim

Na manhã de uma quarta-feira, exatos quinze dias após a quimio, eu descobri que não gastaria dinheiro com cabeleireiro por algum tempo. Durante o banho matinal, no banheiro do hospital, passei as mãos na cabeça e uns vinte fios vieram enroscados nos dedos. “Ô ôu”. Levei as mãos mais uma vez à cabeça e outra porção veio junto. Fechei os olhos e busquei um restinho de pensamento positivo que pudesse estar guardado em algum canto da mente. Não encontrei. Terminei o banho o mais rápido que pude e voltei para a cama. Quando o enfermeiro entrou, um rapaz com menos de trinta anos, contei que estava me despedindo dos meus cabelos. “Pelo menos os seus vão voltar a crescer. E os meus, heim?” respondeu, mostrando sua careca em estágio avançado. E agora, Daniela? Engoli meu beicinho e desfiz a cara de coitada.

O que o enfermeiro não sabia era que aquele comentário foi o equivalente a quatro sessões de terapia condensadas em cinco segundos. Talvez eu supervalorize um pouquinho os meus problemas - ok, ok, eu SEI que supervalorizo na maioria das vezes - mas também sei reconhecer o drama alheio. E o problema capilar dele era, definitivamente, mais sério que o meu. Além disso, a queda dos cabelos era o primeiro efeito colateral da quimioterapia que não vinha acompanhado de dor, enjôo, febre ou qualquer outro desconforto físico. O único inconveniente era a minha repulsa a cabelos que se soltam da cabeça. Era fio de cabelo nos ombros, nos braços, na cama, no travesseiro, no chão… um pesadelo. Para resolver esse problema, com o namorido a mais de 400 quilômetros de distância, liguei para o meu amigo gay. “O que você vai fazer hoje à noite?”. “Tenho aula. Por quê?”. “Duvido você vir passar a máquina no meu cabelo”. Marco Aurélio não só topou faltar à aula na faculdade como ainda atravessaria a cidade duas vezes para ir em casa buscar sua máquina de cortar cabelo. Mas todos temos nossos carmas e não há nada que se possa fazer a respeito, certo?

Até a chegada do meu cabeleireiro particular, eu ainda teria que esperar pelo menos dez horas. Para me poupar do sofrimento de passar o dia recolhendo longos fios de cabelos soltos pelo corpo - ou para se distrair, não importa - minha mãe resolveu cortar meus cabelos bem curtinhos. “Essa tesourinha de costura vai resolver, Dani, senta aqui”. Duas horas depois, o resultado foi um corte tão pavoroso que eu desejei que todos os fios de cabelo caíssem imediatamente. Infelizmente, o jeito era esperar.

Quando entrou no quarto, Marco parecia tenso. Provavelmente apreensivo pelo que estava por vir, esperando uma cena típica de novela das oito, com muito choro e música do Kenny G ao fundo. A minha ansiedade era tamanha que mal o cumprimentei. “Vamos consertar logo essa tragédia que a minha mãe fez, por favor”. Assim que pegou a tesoura, Marco Aurélio foi tomado pelo espírito de algum cabeleireiro gay que vagava pelo hospital. Mostrou incrível habilidade e uma inesperada afetação na voz enquanto acertava o estrago feito pela tesourinha de costura. Depois, lamentando por ter que destruir sua obra de arte, eliminou o que restava de cabelo com a máquina. Ao olhar minha nova imagem no espelho, confesso que notei um certo charme naquele visual. Enfiei-me embaixo do chuveiro para espantar qualquer sinal de desânimo e vestígio da tosa. Sentir a água batendo diretamente no couro cabeludo é, no mínimo, diferente, assim como encostar a cabeça no travesseiro frio. Na primeira noite, em pleno inverno, eu levantei para ir ao banheiro. Sonolenta, lembrei que estava careca quando abri a porta do banheiro e senti o vento gelar minha cabeça. Uma tristeza repentina ameaçou se instalar. Afastei-a pensando no enfermeiro e sua falta de perspectiva. E, principalmente, na minha cura.

Resumindo, perder os cabelos durante um tratamento contra o câncer é como entregar a bolsa a um assaltante armado: “Toma, leva tudo mas me deixa viva”.

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