Bom título para um post que não este: "Recensão económica"
A certa altura da minha carreira tentei fazer uma doação ao mundo (como a Melinda e o Bill Gates): explicar que a bicicleta em Lisboa é e será sempre um meio de transporte para a minoria residente que seja saudável, jovem e fisicamente afinada.
Tentei alertar para a desinteligência e desrespeito económicos que representa a tentativa de "promoção" de hábitos que as pessoas não têm através do recurso a investimentos públicos de lógica centralista, principalmente quando isso é feito às custas do que é verdadeiramente prioritário e em nome de uma das demagogias potencialmente mais perniciosas que hoje existe: o ambiente (bla, bla, bla, vocês sabem do que eu estou a falar).
Nos últimos dias tele-fotografei um angustiante exemplo da facilidade com que o essencial, justo e urgente submerge o acessório apenas porque este último condiz melhor ou com o "ambiente" do eleitorado jovem (os jovens são o futuro) ou com as angustias específicas da elite intelectual.
Um dos obstáculos que tenho que ultrapassar na viagem que faço todos os dias é a Linha de Cascais. Ainda sou do tempo em que aquilo era uma passagem de nível com guarda, e lá ficaram alguns que eu vi. Aqui há uns 11 anos fecharam aquela inanidade e colocaram uma ponte metálica, que sobrevive com dignidade até hoje. Para além de uma cobertura de alcatrão e areia para evitar patinagens artísticas desnecessárias, aquilo é uma estrutura que não precisa de manutenção para cumprir a sua função: transportar pessoas que andem pelo seu próprio pé do lado do lado do rio da Linha de Cascais para o lado interior: Av. Brasilia, Av. da India, Rua de Belém, Ajuda e Junqueira.
Sim, ouviram bem, pessoas que andem pelo seu próprio pé: mães com carrinhos de bebé ou pessoas em cadeira de rodas só podem ultrapassar essa barreira arquitectónica (não é assim que agora se diz?) recorrendo à ajuda de um macho alfa ou indo a pé até ao Cais do Sodré, que é onde a Linha de Cascais deixa de existir e, portanto, se pode passar para o lado de lá sem subir escadas. Pessoas em cadeira-de-rodas penso que não se aventuram sozinhas para aquela selvajaria, mas moças carregadas de filhos já eu vi ali vezes sem conta à espera que alguém aparecesse que as salvasse da prisão costeira em que estavam.
Mas pronto, na maioria aquilo é pessoal desprevenido, que só retornará se estiver a fugir de uma alcateia de lobos. Mas eis que a 23 de Dezembro vejo uns senhores armados de maçaricos e de calhas metálicas a trabalhar na minha ponte pedonal... Pensei: um equipamento para deficientes?, uma estrura universal para carrinhos de bebés?, apoios para uma rampa exterior?. Não, que disparate.
Isto é...
Uma calha para bicicletas, meus amigos, uma puta de uma calha para bicicletas! Um gajo que chega àquele deserto humano (que vem das alturas do Alto da Ajuda, por exemplo, que não mora ali mais ninguém) de bicicleta, como todos sabem, é um gajo com enorme dificuldade em subir a merda de umas escadas com o caralho da bicicleta de cromio-molibdenio-niquel às costas (vivemos todos em vivendas com quintal, como se sabe); é uma pessoa fisicamente diminuída que precisa de ajuda para subir trinta degraus em três lanços de dez separados por plataformas de descanso; inclusivamente as bicicletas não estão preparadas para serem transportadas à mão, são objectos que nunca ninguém levanta acima da cabeça para as transportar no carro.... o que é esta merda?
Sabem os responsáveis por esta merda a quantidade de tralho que esta putice vai provocar de manhã à noite quando o pessoal entope estas escadas na chegada dos comboios ou do barco? Sem a cona da mana da calha já andamos ali todos apertados e aos tropeções, como é que vai ser agora? Quem é que vai ser o responsável pela primeira pessoa que rasgar as costas ou o pescoço naquelas duas lâminas? Uma empregada de limpeza de um Centro Comercial que não ponha um sinal de amarelo radioactivo a indicar "chão húmido" pode ser despedida, aqui poêm-me uma armadilha camuflada a todo o comprimento de umas escadas que fazem a ligação entre três meios de transporte público e por causa da merda do CO2 está tudo bem, é isso?
Eu pergunto: para quem é esta merda, cona da mana? Ando por ali há década e meia: por ano, quantas pessoas vejo transportar a bicicleta nesta ponte pedonal? 20, 30, no máximo. E quantas vejo em dificuldades para faze-lo? Como é óbvio, zero.
O que é aquilo? Para quem é isto, por favor, expliquem-me, para quem? Quem é que pensou: "Nã, isto aqui está mesmo é a precisar de uma calha para transporte de bicicletas"? Quem? Quem? Ãh? Quem foi o filho da puta? Eu vou-lhe aos cornos, caralho, eu parto-lhe as ventas ao pontapé.
Isto só é possivel, e eu não consigo de deixar de me repetir, porque vivemos num ambiente político que, primeiro, confunde ecologia, sustentabilidade e qualidade de vida com ideologia e esquemas universais de governação do mundo (quando formos todos irmãos e o caralho), segundo, que finge (ou acha mesmo, o que ainda é pior) ser possivel aliar os valores conservacionistas e progressistas sem se ser também, e até ao tutano, economicista.
a causa foi modificada
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