2.12.02

Eu imaginei que hoje o dia seria pesado. Pressenti. E não podia ser diferente já que ontem fui domir com o coração do tamanho de uma ervilha. Preocupada. Querendo fazer mil coisas e sem saber como. Querendo ajudar. Querendo ser analgésico. Perdida entre tantos quereres eu adormeci. E sonhei muito. Tanto que acordei cansada. Com a sensação de ter corrido léguas.

Aí fui pro hospital desejando atender pacientes felizes e serelepes, que me enchessem de beijo e me chamassem de tia. Mas como comigo querer não é poder, peguei logo uma bronca. Uma mãe com uma menininha de 12 dias que tinha sido abandonada na porta da casa dela. Ela se afeiçôou do bebê e decidiu que ia adotar. Como uma pessoa responsável, levou a criança ao pediatra da sua cidade (ela é do interior), que constatou que ela tinha microcefalia (a cabeça dela é beeeeeem pequenininha) e foi orientada a procurar o IMIP que é hospital de referência. Quando fui examinar, de cara, vi que a menina tinha muito mais que isso. Parecia se tratar de uma síndrome genética porque tinha um rosto muito característico. E eu via a mãe ali em negação total, dizendo que tinha certeza que o médico tinha medido o perímetro cefálico errado e que a filha era normal. E eu fui tentando dizer, com jeitinho, que não era bem assim, que ela tinha problemas, que íamos investigar, e que o médico estava certo sim. Só que minha staff tinha que estragar tudo. Contei-lhe o caso e pedi pra ela dar uma olhada. E a grossa, mal educada, cavala e sem-coração foi logo dizendo que a menina tinha cara de ser Down, que não ia ser inteligente, que ela se preparasse e decidisse se ia querer mesmo continuar no processo de adoção da menina ou se ia desistir. É óbvio que a mãe começou a chorar. Soluçando. Beijava a menina no colo entre lágrimas. E a puta da médica não estava nem aí, e ainda mandava que a mulher se acalmasse, da maneira mais estúpida possível. Quando ela saiu da sala a mãe me abraçou e ficou chorando no meu ombro. Eu fiquei arrasada. Deu uma sensação ruim. Eu conversei, dei força, mas não sei se consegui muita coisa não. Foi triste, muito triste.

contado pela Nem menina, nem mulher

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