6.12.02

O sonho do motoboy não cabe mais no capacete.

Imerso no transe da avenida, ele aspira fumaça dos escapamentos e a percebe tão tóxica quanto o sonho.

Noutro tempo talvez encarnasse um vaqueiro e as pedrinhas do asfalto que furam agora a japona de plástico resvalariam no couro de seu gibão.

Mas não, o que há diante de mim é a motoboyada de 125 cilindradas, o mugido de cem mil motores e os raios de um sol real destrinchando peles às três da tarde. Eles são centauros mortos mas não caem ao chão, pois foram soldados ao corpo das motocicletas.

Em meus dias de paz deixo os automóveis e os servos idiotas que os dirigem pra lá. Armo diligente o laço e, na hora em que o ronco das motos ascende com a poeira até encobrir o Sol, o sinal abre, e eu arremesso. Não há sensação igual à de ver o corpo de caça tão nobre subir acima da manada num tranco, os olhos de besouro prenhes de espanto, os braços imobilizados, sua carapaça negra reluzindo à luz dos acontecimentos.

Então ele atinge o solo, e enquanto expira sua validade sobre a sujeira deste terreno, me aproximo e vejo a tal alma escapar pelo capacete rachado. Prefiro chamar essa substância viscosa de sonho, eu os liberto desse malefício. Antes que a Primavera se adiante e nos atropele, eu os desobrigo desse dano.

Depois movo minha cadeira de rodas a uma outra esquina. Nela, espero um novo rebanho de quimeras-bisontes, atraídos pela luz vermelha do semáforo. Em breve seus sonhos poderão fugir dessas redomas pretas em busca de pradarias longe daqui.

hospedado no HOTEL HELL

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