Quando eu era criança, tinha verdadeira obsessão por datas de túmulos. Naquela época, as pessoas costumavam visitar os cemitérios no dia dos mortos mesmo que não houvesse um defunto para ser chorado na família. Eu passeava pelas alas do São João Batista e ficava olhando as fotos em suas delicadas molduras enferrujadas para calcular com quantos anos cada uma daquelas pessoas havia morrido. Se alguém morria velho, eu concluía que tinha muito tempo pela frente. Nos casos de morte prematura, eu calculava quantos anos ainda me restavam. Minha mãe não se importava com meu mórbido exercício da matemática e continuava sussurrando à beira do túmulo de Carmen Miranda. Nunca soube dizer se ela rezava ou cantava "Bamboleô". Pois bem, o tempo passou e o meu menu de obsessões ampliou-se consideravelmente. Hoje sou fascinada por velas, candelabros e capas de livros. Sem falar em espadas orientais, cimitarras turcas e tudo que é tipo de lanças, punhais e sabres. Gosto de livros esquisitos que tratam de temas esquisitos. Desejo escrever uma tese sobre carma genético e outra sobre gritos animalescos e uivos de animais desconhecidos. Por conta destas esquisitices, e por achar que o erro da humanidade está em querer um corpo de grego em carne cristã, sou levada, mais do que gostaria, a me relacionar e a me desapontar com gente que, como eu, também pensa o esquisito e precisa do impossível. Por que me desaponto? Eu explico. Há pouco tempo recebi por e-mail uma proposta de um desconhecido com os seguintes termos:
"Executivo submisso e obediente procura dominatrix, alguém que o queime, subjugue, maltrate e deixe-o sem comer por dias. Assino contrato de servidão consentida. Imprescindível o uso de consolo, chicote, chibata, coleira, bondage, algemas, guias, correntes, cadeados, vendas e mordaças. Opcionais: fisting anal, eletroestimulação e shibari. Paga-se bem."
Ora, eu já não me surpreendia com nada há um bom par de meses e, assim, resolvi dar corda ao sujeito. Respondi-lhe que estava disposta a ser a sua Rainha, sem qualquer honorário incluído, desde que ele me permitisse ser a sua "vela cossaca". E aguardei a resposta. Esperei uns três dias e me esqueci da história. Ontem, quando eu me preparava para dormir e bebericava meu leitinho morno antes de me enfiar debaixo das cobertas, o telefone toca. Era o sujeito. Que atrapalhação. Depois de gaguejar e babujar do outro lado da linha, ele por fim me revelou o motivo de ligação tão abrupta: "O que é uma vela cossaca?" Francamente!!! Dito isto, eu bati com o telefone na cara dele e afofei meus travesseiros com sincera irritação. Tenha santa paciência! Falta de profissionalismo não dá!
transcrito do prosacaotica
16.12.02
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