All about my sister II -- A conclusão
Entramos, pois. A escuridão era tanta que me arrependi de não ter levado um cão-guia. Eu devia suspeitar de que a desavergonhada da minha irmã não faria pegação em lugar iluminado, dado o fato incontestável de que ela é umas vinte vezes mais feia do que eu. Aquilo só arruma homem no escuro. E de costas. E pagando, é claro.
-- Isso não está me cheirando bem -- comentei.
-- É vômito -- disse o tísico.
-- E de quatro dias. A faxineira foi despedida e ainda não contrataram outra -- concluiu a lambisgóia.
-- La merde est arrivé.
-- Mas a música é boa e o cozinheiro é limpinho -- minha irmã, cujos funerais já vislumbro em futuro muitíssimo próximo, encerrou o assunto.
Apareceu um lanterninha que nos conduziu a uma mesa nem sei bem onde. Sentamo-nos. O tampo pegajoso me impediu de apoiar os cotovelos, e tive de ficar sentada como uma freirinha bem comportada, as mãos postas sobre o colo, imóvel, quem me visse me julgaria embalsamada. O lanterninha, que agora entendi ser o garçom, me atirou uns papéis encadernados que deduzi ser o cardápio. "Não leio em braille", e joguei a papelada de volta. O tísico me sugeriu o filé com salada verde. Filé? Aqui? E salada verde? HAHAHAHAHA! Mas aceitei. Já estava ficando azul, e All About Eve azul é uma experiência terrível. Da última vez em que fiquei azul, bebi uma lata de creolina e acabei tendo uma crise evacuatória marrom-esverdeada no tapete do gabinete do governador. Hmmmmmm. Preciso me lembrar de ficar azul quando visitar o Palácio Guanabara. Sem esquecer a lata de creolina, é claro.
Depois de duas rodadas do que parecia ser álcool 90 mas disseram que era "pinguinha da boa" (o único drinque no cardápio), eu me sentia um pouco melhor. Aaaaaah, nada como um booooom etanoooool. Até minha irmã parecia mais interessante agora, assim, digamos, mais... minha irmã. E tenho de admitir que a música era realmente boa. Genival Lacerda de primeira. E todos os clássicos de Reginaldo Rossi. Odair José em sua melhor fase. A pílula, a pílula. Tocou até "Como uma deusaaaaaa...". Já estava me sentindo quase feliz.
Foi aí que alguma coisa roçou em minhas costas nuas (eu vestia uma frente-única, a melhor maneira de economizar pano. A gente tapa os peitos e o resto que se foda). Indefinível. Sacudi os ombros. Continuou roçando. Para cima. Parava. Para baixo. Parava. Para cima... "Jesus", pensei, "vai me dizer que o fedorento é chegado num Neocid?" Mas o francês, a julgar pelo cheiro, estava de frente para mim. Só podia ser... Ah, não. Não, não, não, não. Não estraguem meu paraíso alcoólico-auditivístico. Logo agora que vou comer filé (talvez de bode, mas quem se importa?) com salada verde (talvez de mandacaru, mas quem se importa?)... Logo agora que vou comer?
Era. E das grandes.
Tenho um horror stephen-kinguístico a tais insetos repulsivos. Saio do sério à simples menção de seu nome. Comecei a gritar desvairadamente ao mesmo tempo em que arrancava a blusa e estapeava o tísico por um erro de cálculo. Minha mão resvalou nas tetas caídas da lambisgóia e a ninfomaníaca teve um acesso de furor uterino, agarrando minha irmã, que gritava "Meu negócio é macho! Meu negócio é macho!" Disparei tonta pelo breu do salão, derrubando casais dançantes como num pinball demoníaco. Tropecei em alguém e estatelei os peitos no chão. Urrava. Pisoteada, a muito custo consegui me levantar, e vislumbrei uma luzinha ao longe. Minha salvação. Corri para lá. Era a cozinha, e o cozinheiro, sujeito sensível, que esfolava um bode (eu sabia!), ao ter a visão nada paradisíaca de All About Eve gritando desgrenhada, os peitos de fora (meu último sutiã foi queimado na década de 70), teve uma síncope, o cutelo atirado para o alto. Saí desabalada porta afora e só parei ao chegar em casa.
Horas depois aparece minha irmã. "Da próxima vez que surtar, me avisa! Tive de pagar todo o prejuízo. Pode telefonar pro SPC e avisar que não vai poder pagar conta nenhuma."
[facada facada facada facada facada]
Bom, então é isso. Menos uma irmã...
mais uma Eu Quero Ser Cora Rónai
20.1.03
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