E por falar em clientes e outros seres estranhos, teve aquele dia em que eu resolvi ser simpática e perguntei a um dos clientes se estava tudo bem. O problema é que ele respondeu.
- Ah, Juliana, cê não sabe... minha pressão foi lá pro alto essa semana e eu ando com umas dores de cabeça estranhas, ninguém sabe explicar e...
E nesse momento um corno entalou na porta giratória. *Piiiiiiiiiiii*. E o guarda gritava "objetos de metal, senhor" e o corno ameaçava arrancar a roupa. E o velhote continuava me contando suas mazelas.
- Porque eu sou hipertenso, você sabe. E quando eu passo nervoso, já viu. Aí ataca tudo. Pra piorar, eu peguei essa gripe no Natal e...
O corno conseguiu, enfim, passar pela porta giratória e estava lá dentro batendo boca com o guarda. Eu sabia que ia sobrar pra mim, mas foda-se, o velho não parava mais de falar.
- E, sabe, eu torci o pé outro dia ali na rampa do shopping. Saqualé? Então. Aí a minha filha veio e...
Nessa hora uma outra cliente resolveu me chamar pra ajudar nas máquinas. Maldito pagamento de IPVA. Que todos os responsáveis pelo sistema do banco apodreçam no inferno. Bom, mas eu estava falando da tal cliente que começou a cutucar minhas costas pedindo ajuda. E eu pulava com os cutucões da senhora, já meio agressiva. E eu me contorcia de cócegas quando ela começou a cutucar a minha cintura. E o velhote lá ainda.
- Sabe, Juliana, a vida não presta. A gente chega a essa altura da vida sem um tostão no bolso, sem dignidade nenhuma e sem saúde. Bons tempos aqueles da ditadura.
Enquanto eu tentava descobrir o que diabos tinha a ditadura a ver com a hipertensão do velho, chegou o carteiro. "Mocinha, assina aqui". Aos pulinhos por causa dos cutucões, dizendo "é mesmo? Jura?" em resposta aos devaneios do velhote, assinei e recebi as cartas. Um ótimo pretexto para largar aqueles dois - o velhote e a mulher dos cutucões - lá embaixo e desaparecer.
- "Seu" José, eu vou ali levar esse negócio e já volto. Senhora, aguarde só um instantinho.
E sumi. Dizem os vigilantes que o velhote continuou contando sua história para a mulher dos cutucões e saíram os dois de braços dados pela rua. Ele, satisfeito por encontrar uma ouvinte. Ela, satisfeita porque o velho pagou as contas dela sem perceber, enquanto se lamentava. Talvez isso tenha acabado em casamento e o velho pare de choramingar.
protocolado por texto livre
19.1.03
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