A INSÔNIA E O FUGITIVO
Insônia. Agora dei pra isso. Logo eu, que sempre fui bom de cama pra caralho. Pior é que além de ficar rolando na cama sem, contudo, conseguir pregar o olho, ainda fico tendo flash-backs da minha vida. Mas foi assim que me ocorreu a história que vou contar pra vocês hoje e que tava escondida em algum lugar bem remoto da minha memória.
Em 1987 - puta merda, é tempo pra diabo! - eu estava na sétima série. Era um prodígio. Não fiz a primeira série, fui catapultado direto pra segunda e ainda encerrei o ano como o melhor da turma. E a coisa se manteve nos anos seguintes. Mas aquilo era um saco. Tinha que ser sempre o bonzão da parada. Era o queridinho dos professores, o orgulho da família e um exemplo pros filhos burros dos amigos dos meus pais. Alguns mandavam os lesados lá pra casa pra estudar comigo. Só que tinha um problema: eu nunca estudava. Não tinha nem matéria. E era o cão na escola. Praticamente um terrorista. Botava bomba em banheiro, pó de mico no ventilador da sala e volta e meia mostrava o pau pras garotas da turma. Enfim, eu não era exemplo de pôrra nenhuma. Ao menos não um bom exemplo. Era, sim, sonso e falso que nem nota de R$ 3,00. Mas, mesmo assim, tinha que prestar contas em casa.
No segundo bimestre de 87, eu tava muito de saco cheio daquilo. Não suportava mais fingir ser uma coisa que, definitivamente, eu não era. Me rebelei contra o sistema. Ia pra escola passear e tocar zarolha. Era uma espécie de Notorius B.I.G. dos trópicos. Um líder nato. Assim, enfim, consegui minhas primeiras duas notas vermelhas: matemática(meu eterno ponto fraco) e educação artística. Dessa aí eu até me orgulho, pra dizer a verdade. Me desculpem os desenhistas, arquitetos e afins, mas isso, pelo menos pra mim, é coisa de viado. Mas é claro que há excessões - ou não, Fernando? O que só vem a confirmar a regra. Enfim, tirei nota vermelha. E, admito, a sensação foi horrível. Precisavam ver os olhares que me lançavam. "O rei está nu", pareciam eles bradar. Me senti um merda.
Bate o sinal. "Puta que pariu!", pensei. "E agora? Como é que vou explicar em casa essas duas notas?". "Pô, meu pai e minha mãe vão entender, né? Afinal de contas, foi a primeira vez. E no bimestre que vem eu recupero isso mole.", saí a meditar. Minha irmã do meio, a Tati, mal conseguia esconder sua alegria. Era a vingança. Chegamos em casa e ela mandou logo: "Mãe, saíram as notas. Não tirei nenhuma vermelha, mãe. Mas o Fabiano...". "Filha da puta!", ameacei gritar. Mas minha posição era delicada. "Te como na porrada depois, sua vaca.", falei entre os dentes. Minha mãe veio espumando pra cima de mim. Não deu nem tempo de tirar as provas da mochila. Parecia um polvo numa festa tecno. Nunca vi tanta mão numa só pessoa, gente. O que era aquilo? Apanhei pra caralho. E chorei ainda mais. "Já pro seu quarto estudar!", berrou. "E nada de almoço.", decretou. Pôrra, apanhar tudo bem, mas ficar sem rango também? Aí fodeu. Era castigo demais. "Mas meu pai daqui a pouco taí. Quero ver ela meter essa marra com ele por perto.", pensei com meus botões. Meu pai sempre puxou meu saco. E ainda tinha o agravante de eu ser o varão. Não tinha jeito. Aquele castigo não iria durar mais do que meia hora. Era só o tempo de o coroa chegar pra almoçar.
Me enfiei no quarto e fiquei embromando. Minutos depois, ouço o tirlintar das chaves do velho. Me debrucei avidamente sobre os cadernos e livros. "Oi, filhão, tudo bem?", disse ele ao chegar. "Tudo, pai.", respondi com uma voz chorosa. "Que que houve, filho? Tava chorando?", indagou-me. "Nada, não. Bobeira da mãe.", falei. E se encaminhou à cozinha. Esfreguei as mãos. "Tá ferrada agora. Vai tomar mó esporrão. Vai sair até de lado.", previ. Quando ouvi o tirlintar das chaves vindo em direção ao quarto, voltei-me rapidamente para os cadernos. Só senti a porrada na nuca e nem notei que tinha dado com a testa na escrivaninha, já que numa fração de segundos a minha cabeça se encontrava no mesmo lugar de antes. Ainda vieram mais duas. Tum! Tum! Depois, a tradicional torcida na orelha e toda a sorte de palavrões e ofensas morais. Pior, o castigo do almoço foi confirmado.
Era demais pra mim. Eu não merecia ser tratado daquela forma. Não depois de ter sido o papa por tanto tempo. Apenas um pequeno deslize e... pimba! Eu não era nada além de escória. Sacanagem. Mas aquilo não ia ficar assim, não. Eles iam ver só. O deles tava guardado.
Como sempre fazia após o almoço, minha mãe seguiu para o banco e de lá pra loja da minha tia, onde ficava fofocando por horas a fio. Tradição da família, no caso. Fui até a cozinha, peguei um pacote de pão Plus-Vita fechadinho, queijo, manteiga, presunto, maionese, mortadela e usei todo o pacote pra fazer uns sandubas. Daí peguei mais duas pêras e duas maçãs e um litrão d`água. Alguma roupa, um lençol e uma cobertinha, pus tudo dentro da minha mochilinha preta da falecida Quebra-Mar, a Fernanda, e fugi de casa.
"Pra onde ir?", era a questão. Fui pra estação e peguei o trem pra Japeri. Era a primeira vez que andava de trem. E eu nunca havia ido a Japeri na vida. Cheguei lá e...
... continua na toca do Tatu
27.1.03
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Um comentário:
koeeee
tatu
fala aqui
e nana
blz
Postar um comentário