Eu duvido que alguém saiba responder de imediato se eu fizer a pergunta: "O que você estava fazendo há exatamente 23 anos?". Bom, eu sei que a resposta da maioria será: "Eu nem era nascido em fevereiro de 1980", mas vocês entenderam. É difícil lembrar de algo tão específico.
Pois eu me lembro. Eu não tinha nem cinco anos de idade ainda, mas me lembro como se fosse ontem: Naquela noite de 10 de fevereiro eu andava ansioso pela casa. Já tinha tentado dormir, mas de nada adiantava. Deitava na cama e não conseguia parar de pensar que a qualquer momento meus pais poderiam chegar com uma novidade: Meu irmão, que nascera no dia anterior.
Novidade para os outros. Para mim ele já era uma preocupação desde que minha mãe anunciara a gravidez. Porque eu queria de qualquer forma escolher o nome dele, e minha mãe insistia que meu irmão ia se chamar Ricardo. Bah, Ricardo. Será que só eu percebia que um irmão caçula naquela família precisava se chamar Roberto? Além do mais, meus pais deviam erguer as mãos para o céu pelo amadurecimento que eu demonstrei no período entre o nascimento dos irmãos: Quando minha irmã nasceu, eu queria que ela se chamasse Relssona. Oras! Roberto não era nada perto disso. Pelo contrário, era um nome muito legal. Mas minha mãe dizia que não:
- Roberto é nome de moleque de rua. Você quer que seu irmãozinho seja um moleque de rua?
- ...
(Claro que quero! Cê quer o quê, que ele seja um babaca feito eu, que vive na expectativa de aprender a ler para poder devorar todos os livros do mundo, enquanto o mundo lá fora gira???)
- Então, tá vendo? Roberto não dá.
- Mas mãe... Você gosta do Roberto Carlos. O Roberto Carlos é moleque de rua?
- Er... Não.
- Arrá! Então o nome do meu irmão vai ser Roberto e pronto.
Sim, eu era folgado. Mas entendam, eu precisava fazer valer a minha voz naquela casa. Minha irmã era esperta demais para se envolver nessas bobagens, mas para mim era uma questão crucial: Eu tinha cedido para escolher o nome dela, não deixaria acontecer de novo.
E lá estava eu, dando a centésima volta pela casa, quando ouvi o barulho do Fusca entrando na garagem. Saí correndo para recepcionar o novo membro da família. E, claro, vender meu peixe:
- Cês trouxeram o Roberto???
Meus pais trocaram um olhar divertido, e na mesma hora eu saquei que tinha vencido a batalha: Eu queria Roberto, pois seria Roberto. E se viesse a ser um moleque de rua, tanto melhor.
Logo no começo da vida ele demonstrou de forma inequívoca que seria mesmo um sacana. Antes de começar a engatinhar direito, ele saía rastejando pela casa feito, sei lá, uma lagartixa. E bastava ver minha mãe varrendo o chão que ele ia até lá, barriga arrastando, só pra atrapalhar. Quando já tinha cerca de um ano de idade, ele se escondeu no guarda-roupa, no meio das bonecas da minha irmã. Na hora em que minha mãe abriu a porta e viu aquela boneca virando a cabeça lentamente, quase teve o segundo troço na vida (o primeiro fui eu).
E assim foi, sempre. No começo minha mãe ainda dizia que tinha avisado, que Roberto era nome de moleque descarado e sem-vergonha. Mas eu nem ligava: Meu irmão era um barato. Ria das minhas bobagens, como quando eu botava todas as bonecas da Cristina-Relssona para dançarem Can-Can pra ele. Ou quando passávamos a tarde inteira fazendo resgate de tatuzinho em formigueiro. Ou quando jogávamos futebol na sala, apesar das constantes proibições. E até mesmo quando numa brincadeira de luta rachei a cabeça dele, que teve que levar uns pontos (nada de mais, dado o tamanho da cabeça da criança).
Não dá para resumir esses 23 anos de convivência aqui. É muita coisa. Lembro-me de ter dado umas dicas de fonoaudiologia pra ele aprender a falar o "r" (ele vacila até hoje, mas quase ninguém percebe). Lembro de uma noite quente em que fiquei até altas horas abanando meu irmão com um caderno, para os pernilongos não chegarem perto. Sei que não sou um irmão à altura dele. Ele merecia coisa bem melhor. Mas amo meu irmão aqui do meu jeito, meio seco, todo tímido e desajeitado e grosseiro.
Sei que ele é feito de um material muito melhor do que o meu. Se eu tivesse passado por metade do sofrimento que ele passou, já teria desistido. Ele não desiste nunca. Não perde a fé. E continua sacaneando todo mundo. Nome é sina.
Parabéns, moleque.
jesus me chicoteia
12.2.03
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