21.2.03

"Ninguém agüenta viver sem beber. Quem consegue é porque é insensível."
Truman Capote, em entrevista a Paulo Francis, 1974.

Eu penso seriamente em começar a beber, e encaro isso como um ato político, dentro da minha esfera pessoal. Beber, pra mim, não é algo banal. Não encaro as pessoas que bebem da mesma forma que encaro os abstêmios; notando que separar as pessoas em compartimentos desse tipo é uma forma muito abstrata e inconclusiva de observação das pessoas.

É uma droga, como qualquer outra oficialmente classificada como tal. Faz mal, custa dinheiro, tem efeitos colaterais. E tem prós. Dá pra saborear o sabor da bebida, a visão distorcida, os sentidos alterados, o humor sublinhado. A inconsciência - fundamental - é uma bênção. Dizer as coisas sem intenções e subintenções entranhadas nas palavras (ser cínico cansa demais). Se eu beber o suficiente posso esquecer das angústias mais imediatas?

A bebida talvez seja a grande promessa da humanidade, depois do microondas. Dizem que é aglutinador social. Poderei ter meus amigos da cerveja, amigos de uísque, amigos de vinho, amigos de vodka, amigos de pinga. Espero que a maioria seja de verdade. Digo: que não sejam alucinações.

Talvez o auto-aperfeiçoamento não seja a saída, quem sabe. Ninguém melhora com o tempo, realmente, apenas degrada-se com mudanças e declínios de personalidade. (As crianças tendem a ser gentis e sinceras, mas não é regra.) Se eu começar a beber e me tornar desprezível, o que mais estarei fazendo a não ser adiantar o inevitável? Todos somos desprezíveis mesmo, em algum cômodo da casa.

Tomarei vinho, pois então. Goles curtos. Admirarei os rótulos. Fineza. Vômito róseo.

sorvido em temperatura ambiente pelo genérico incolor

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