27.2.03

-vi gabriela.
-viste?
-me encontrei com ela.
-em sonho?
-vi gabriela no trópico.
-nos campos?
-nos portos.
-nos mastros?
-nas galeras, eu vi gabriela nas auto-estradas, no marfim da lua nova eu vi gabriela em cinemas, vi gabriela em boates.
-pois viste.
-eu vi. gabriela dançava ao som do último blues. eu entrava com uma rosa na lapela e bailava com ela até sermos expulsos do bar.
-ora! e onde mais a encontraste?
-eu a encontrei nas oferendas, nas encruzilhadas e nos cemitérios. encontrei gabriela nas praças: uma pedra de rubi.
-de rubi?
-sim, ela é vermelha.
-oh!
-eu quero a gabriela máxima. eu quero a gabriela sôfrega. pois todos sabemos que a polpa da gabriela é a mais ácida.
-você está enganado. a polpa da gabriela é agridoce.
-como você sabe?
-eu já experimentei.
-conversa!
-juro! a polpa da gabriela é fluorídrica. ela é toda composta de hidrocarbonetos. as sardas são dipeptídeos e os seios são pluri-valentes, se é que você me entende.
-não entendo.
-vou explicar: conheci gabriela era de manhã um dia. depois fomos passear juntos como dois bebês chapados pelas ruas e planejamos a era cibernética. ela era clubber nessa época.
-clubber?!
-bem, mais ou menos. ela gostava de se divertir pondo modelos e makes fluor-glamour e depois saíamos pra dançar.
-certo. mas nada parece se encaixar.
-em gabriela nada se encaixa. ela usa esquemas variáveis e cambiáveis de análise. seu lema é: problematize, se possível. e se conseguir, problematize mais do que eu, que sou o mau-humor de sardas.
-não acho a gabriela tão mal humorada assim.
-ela não é mesmo. mas faz parte da lenda. dizemos que ela é mal-humorada porque temos em nós a gabriela-idéia, a gabriela concebida em nós, gerada em nós, engendrada através nosso amor sangrento. a gabriela profunda está vivendo.
-e onde é que ela vive?
-no planeta Vênus.
-nada disso. ela vive em Londrina, seu brócolis!
-a gabriela vive no mundo real.
-ela vive em Porto Alegre!
-um erro: a gabriela vive em Foz do Iguaçu.
-em São Paulo!
-ora, mas veja: o que importa o lugar onde a gabriela mora? devemos nos concentrar na essência de gabriela e não ficarmos somente atentos aos aspectos superficiais de sua personalidade múltipla.
-você está com a razão.
-a gabriela pertence ao reino dos fungos. ela vive em uma união simbiótica com as bactérias rizomáticas que habitam a raiz da sequóia.
-já eu diria, com mais cuidado, que a gabriela pertence ao reino dos invertebrados: ela é uma libélula. e sobrevoa os espaços. e antevê as tormentas. e alimenta os escravos. e fortifica as placentas.
-você está dizendo coisas sem sentido.
-só através da nulidade de sentido é que poderemos chegar ao centro de gabriela. preciso me fazer de bobo e surpreendê-la quando ela estiver distraída. se eu for racional demais, ela nem vai querer olhar pra minha cara.
-a minha opinião é que a gabi é uma marmota.
-uma marmota? ora, mas quem você pensa que é para tratar a gabriela de “gabi”? mais respeito, seu repolho! saiba que a gabriela é uma pessoa de prestígio!
-eu chamo ela de gabi e vou continuar chamando. aliás, ela nem gosta que a chamem de “gabriela.” ela vai ler isso aqui e vai odiar todos esses “gabrielas” espalhados por esse diálogo ridículo. além do mais, pra ser bem sincero, acho que você já está se repetindo com essa história de diálogo. porquê não tenta um outro jeito de dizer oi pra gabi?
-qual outro?
-ah, não sei, escreve um poema.
-um poema?
-é, idiota, um poema!
-vou tentar: gabi querida do meu coração\me dá um beijinho\e eu te dou meu...er...meu...hum...meu...bosta! não sei o que rima com coração!
-muita coisa rima com coração.
-o quê, por exemplo?
-afeição. paixão. explosão. lambão.
-gostei do “explosão”!
-então faz.
-gabi querida do meu coração\me dá um beijinho\e eu te dou minha EXPLOSÃO!
-muito bom!
-você gostou?
-claro, ficou ótimo!
-espero que a gabi goste!
-mas o que você quis dizer com “te dou minha explosão”?
-quis dizer que eu amo tanto a gabi que chego a querer explodir de amor!
-isso foi brega pra caralho. parece música da Roberta Miranda.
-bobagem. isso é entre eu e ela.
-mas você vai publicar e todo mundo vai ler e todo mundo vai rir da sua tolice.
-que leiam, que riam, estou me lixando.
-outra coisa: este diálogo está todo desigual. você começa com as personagens se tratando na segunda pessoa, descamba pros termos científicos, conta um pouco do passado da gabi e depois só fica no blá blá blá. ela nem vai agüentar ler isso até o final. acho que você devia pôr agora uma parte mais substanciosa, mais poética.
-então tá: gabi gástrica. gabi-gandaia. gabi gotícula. nascemos e morremos dentro da gabi holística, padecemos dentro da gabi numérica, gozamos dentro da gabi algébrica, parimos dentro da gabi sumérica, brincamos dentro da gabi lúdica, crescemos dentro da gabi antiprática e aprendemos a contar dentro da gabi aritmética.
-arrasou.
-espero que ela goste.
-ela vai gostar.
-sim, vai.
-vai mesmo.
-é.

a surdez lasciva da a maçã no escuro

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