11.3.03

DÁ A CHUPETA PRO NENÉM NÃO CHORAR

“Trata-se, obviamente, de um filho da mãe.”

Continuam a tentar incutir-me esta característica.

Ao contrário do que se possa imaginar, eu me conformaria se fosse no mal sentido.

Nunca me furtei à confissão de que sou mesmo um canalha e que meu objetivo último em vida é adquirir a persona do escroto por excelência.

Sonho com o dia em que descerei uma ladeira e, ao longe, as pessoas serão capazes de exclamar:

“Lá vem o escroto! Reconheço-o sem mesmo identificá-lo! Sinto a sua presença.”

Imagine as ruas se esvaziando, o comércio baixando as portas, carros em pânico furando o sinal vermelho, tudo só pra não ter o desgosto de cruzar com o calhorda número um. Sublime, não?

O problema é que não.

Quando me auferem a qualidade de um filho da mãe, eles não querem dizer, para meu desgosto extremo, que sou um grandecíssimo sacana. Explicitam a afirmação em termos diminutivos e carinhosos, transformando-a em algo mais específico. De acordo com sua análise, sou partícipe da corja dos filhinhos da mamãe.

Já pensei repetidas vezes que este é um estratagema comum utilizado por mulheres para diminuir os homens e abocanhar alguns pontinhos na multi-milenar guerra dos sexos.

Imaginava que o filhinho da mamãe fosse uma das facetas do caráter masculino, uma da referências para o “lugar do homem no relacionamento”, como o são o imaturo, o desbocado, o esquecido, o irresponsável, o alcoólatra ou o infantil (ligeiramente diferente do imaturo).

Mas enganei-me.

Embora eu possa imbuir-me de sobrenatural força de vontade e, digamos, amadurecer, ficar bem-educado, lembrar mais das coisas (mesmo que via bloquinho de anotações constante da cor da roupa da namorada no dia x), fazer minhas obrigações domésticas, parar de beber ou de jogar video-games, verdade é que continuarei, para todo o sempre, sendo um filhinho da mamãe.

Ok, vamos aos exemplos.

Como não pretendo ficar repetitivo, bolei, mui rapidamente, um esquema, que traz os argumentos proferidos contra mim em duas fases distintas da minha vida infeliz:

Substitua (1) pela frase: quando eu morava na casa da minha mãe, eu podia ser chamado de filhinho por...

E substitua (2) pelo seguinte: hoje, morando sozinho e às minhas custas, eu continuo sendo um filhinho por...

Agora sim, os exemplos:

(1) receber vitamina de aveia com banana e sustagem na cama às seis da manhã, devidamente trazida por mamãe.

(2) gostar de tomar leite, o que denota a perpetuação de uma ligação íntima com o materno. Teta de gente substituída por teta de vaca é tão somente uma mudança de bicho, conquanto a vaca tenha também que ser mãe para que verta leite de suas tetas. Torna-te, assim, um “bezerrinho da mamãe”.

(1) gostar de comer a comida caseira de dona Eliana sempre que possível.

(2) preferir pão com presunto a um rango elaborado, que leve horas de preparo. A comodidade intrínseca ao pão com presunto leva a concluir que você continua querendo tudo na mão, como se uma mãe imaginária continuasse a cozinhar pra você. Transmutação da mãe na padaria onde, inclusive, você compra o leite.

(1) não arrumar a cama, não lavar os pratos, não varrer o chão, não passar aspirador nem lavar a cozinha.

(2) contratar uma empregada. Além de ter origem numa estrutura escravocrata, a contratação de uma empregada indica a necessidade de uma companhia feminina que faça as coisas pra você, ou seja, ela serve para ocupar o lugar da mãe. Você se torna, assim, um “patrão mimado”.

Inútil prosseguir enumerando já que meu ponto é a continuidade no tempo do argumento (aparentemente incontestável) de que eu sou um filhinho da mamãe.

Pelo que me consta, nada que eu faça vai me extirpar tal estigma e, sendo assim, transcrevo aqui a letra de um genial samba de cujo autor (que, imagino, devia sofrer o mesmo tipo de retaliação) não me lembro agora o nome.

“Tu tu bé bé,
Chora, chora, quer comer.
Tu tu bé bé,
Chora, chora, quer mamar.

Como eu sou um bebê diferente,
Mamãe, mamãe, quero aguardente.

(...) E todos sabem como é que a coisa vai:
Eu sou igualzinho a papai!”

Escrotório

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