20.3.03

Ontem eu encontrei uma mulher no lixo. Levei ela pra casa, dei um banho e comecei a jogar conversa fora com a princesa. Fiz um arroz à grega bem malandro e selecionei tópicos na enciclopédia Barsa para discutirmos. Fiquei impressionado com a cultura daquela fêmea lasciva. Trocávamos olhares provocantes, a noite era nossa. Ela me mordia com os olhos e assoprava, com a boca cheia de ervilha. Ela passava seu pé pela minha perna mecânica com sofreguidão enquanto saboreava um nabo cru com volúpia e maestria.

No meio da conversa ela babou copiosamente enquanto falava sobre os discos do Renato & Seus Blues Caps. "Acho os discos dele chocantes."

Eu engasguei com a comida e disse:

— O quê?

E ela repetiu a frase. Me levantei, pensando como alguém podia usar a palavra chocante dez anos depois de ela ter sido morta e enterrada. Agora vai aquela besta depredar o túmulo. Pra quê, senhor do penhasco? Pra quê?

Ela me perguntou aonde eu ia. Disse que tinha que tomar uma ducha fria. Entrei embaixo do chuveiro, enchi a banheira, passei creme de barbear nas sobrancelhas, mas minha cabeça não pensava em outra coisa. "E no plural, ainda".

Saí do banho e a expulsei de casa. Ela tentou fazer beiço pra chorar, mas eu fui mais rápido. Peguei o extintor e espirrei pó branco nela. Ela ainda tinha uma casca de tomate grudada no nariz mesmo.

na lixeira do Clube da Comédia

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