27.3.03

Porra, a cada dia vai ficando tudo mais difícil. Não preciso nem dizer que o problema ainda é a merda da falta de grana. Minha conta virou hoje e a da minha mulher virou já faz quase duas semanas. Hoje tive que pagar a primeira das cinco parcelas de uma grana que peguei emprestada com meu tio, que apesar de ser meu tio, me cobrou juros de 5% ao mês. E ai de mim atrasar um dia que seja. Como não tinha o dinheiro todo pra pagar o que devo a ele, entrei no cheque especial. E não posso nem falar nada com meu pai, pois não agüento mais dar tanta despesa ao coroa. Sei que é ridículo o que vou fazer aqui. E, acreditem, pensei muito se deveria ou não fazer isso. Espero que compreendam a minha situação de total desespero. Não fosse o fato de estar desempregado, com uma filha por nascer e devendo uma boa grana na praça, não me sujeitaria a isso de forma alguma. Mas acontece que estou mal e já não sei mais a quem recorrer. Portanto, se alguém puder me ajudar com qualquer quantia, minha conta é esta aí em baixo:

BANCO DO BRASIL

Agência: 2299-3
C/C: 7801-8

Me perdoem tamanha cara-de-pau, mas volto a dizer que só estou agindo assim porque a coisa anda feia mesmo. Só espero que esta atitude não afaste vocês deste espaço. Não pensem que será sempre assim e que isso tornará a ocorrer se essa minha situação se prolongar. Como disse, foi uma decisão tomada num momento de desespero, por alguém que vê suas possibilidades ficando menores a cada dia. Não vou, entretanto, desanimar nem muito menos desistir. Principalmente agora que estou casado e prestes a ser pai. De qualquer forma, não fujam daqui, por favor. E, desde já, muito obrigado a todos.

Chega de baixo astral. Vamos a mais uma historinha.

O EXU MARKETEIRO

Tenho um primo veado. Bem, nada contra ele ser veado. Nada mesmo. Até porque eu amo meu primo como se fosse um(a) irmão(ã) mais velho(a). Acontece que o cara além de veado é macumbeiro e mitômano também. Aí já é um pouco demais, não acham? Esse meu primo, o Luiz Henrique, também tem uma outra característica muito interessante e que ele deveria explorar melhor. O cara exerce um verdadeiro fascínio sobre as pessoas. Ele tem o dom da palavra. Parece pastor da Universal. É praticamente uma seita. Tem até seguidores. Já houve tempos em que ele era acompanhado por uma pequena legião. Depois, conforme neguinho sacava que ele era um tremendo 171, ia se afastando e, hoje, são três os seus fiéis seguidores: Dina Lara, que abriu mão de seus dois filhos, um rapaz e uma garota, para permanecer ao lado dele após o garoto, que era caso do meu primo, com o consentimento e as bênçãos da mãe, ter quebrado maior pau dentro de casa quando descobriu que a mãe havia passado a casa pro nome do guru. E o fez de maneira oficial, indo ao juizado de menores e passando a guarda de ambos para a avó dos garotos. A outra é a Selma, que nunca se casou – há fortes suspeitas de que jamais tenha tido um homem na vida, o que não necessariamente implica numa virgindade -, é a única com trabalho fixo – é professora das redes municipal e estadual – e, por conta disso, a grande financiadora e mantenedora da casa, além de tratar meu primo como se fosse seu filho, dando tudo o que ele quer, podendo arcar com o ônus da coisa ou não. E finalmente temos o Richardson, que largou a mulher – gatíssima, por sinal – e os três filhos para assumir seu romance de sete anos com o cara. Pior é que durante um bom tempo a mulher dele também foi apaixonada pelo meu primo, que sem que um soubesse da paixão que o outro nutria por ele, pegava os dois.

Bom, por aí acho que já deu pra se ter uma idéia de como é o ambiente por lá, né? A parada é muito bizarra. Certa vez, eu estava brigado com a Flaviana, na época minha namorada, e comecei a dar uns pegas na Suni, a ex do Richardson. Numa sexta-feira à noite, eu e um outro primo, o Big Bruno, sujeito obeso e criador de caso, e a garota estávamos curtindo um forró no bar da Tia Cássia, em Paracambi. De repente, surgem "as moças". A Suni, que não suporta ficar no mesmo ambiente que o ex-marido, me chamou pra ir embora, com o que concordei de imediato. No momento em que passamos pelo Luiz, ele me segurou pelo braço e disse: "Porra, Fabiano, que merda." "O que foi, cara?", perguntei. "Cara, você com a Suni!?". Ao que respondi: "Porra, Luiz, você com o Richardson!?". A conversa acabou ali.

Em 98, pouco depois de ter chegado da Europa, comecei a fazer um curso de treinador de futebol no Forte do Leme. Na época meu primo morava num quarto e sala na Figueiredo Magalhães, em Copacabana. Nada mais natural do que ficar por lá enquanto durasse o curso. Ele sempre me tratou com todo o respeito e cuidava de mim com carinho e dedicação. E como meu negócio sempre foi mulher mesmo, não via risco algum em cair por lá. O problema é que com isso eu era praticamente obrigado a aturar as conversinhas fiadas dele. E não eram poucas, não. O cara sempre foi um iludido. "Mente que nem sente", diria minha mãezinha, tia dele. E na época ele tava metido numa tal de Net Food, uma parada muito furada, no melhor estilo Amway. É claro que ele tentou alucinadamente me convencer a fazer parte daquela porra. Mas eu, claro, não cedi àqueles delírios. Porém, numa quinta-feira à noite, quando eu já me preparava pra dormir, eis que a porta do quarto se abre e eu vejo a Dina. Tem início então um breve diálogo entre mim e ela e, em seguida, uma das cenas mais grotescas que já presenciei:

- Fabiano?
- Oi, Dina, pode entrar. Ainda não tô dormindo, não.
- Ah, que bom. É que o seu Sete taí e quer falar com você?
- Quem, Dina???
- Seu Sete Covas.
- O santo que o Luiz pega?
- Santo, não, Fabiano, é entidade. E ele não pega, incorpora.
- Tá. Mas o que ele quer comigo, Dina?
- Não sei. Vai lá falar com ele.
- Tá legal.

Não era a primeira vez que eu falava com o Exu. Pra dizer a verdade, freqüentei terreiro por um bom tempo. Adorava ir lá. Achava lindo os atabaques, os pontos de macumba, os santos descendo, as gargalhadas das pombagiras... Era legal. E quando tinha festa no Centro, então? A melhor era a de Preto Velho, porque rolava uma feijoada do caralho. Eu comia muito. E todo mundo babava meu ovo só porque eu era primo do Luiz. Mal sabiam que era tudo encenação. Mas ele era foda. Imitava direitinho. Nem o Pai-de-santo percebia. Pelo contrário, se consultava com ele quando não estava nos "trabalhos". E só pegava santo forte. Sete Covas, Zé Pilintra, Tranca Rua, Caboclo Flecheiro, Pedrinho da Cachoeira e outros que já não me lembro mais. Mas voltemos ao diálogo com seu Sete Covas na casa do Luiz:

- Boa noite, seu Sete.
- Oh, mizifi, quanto tempo.
- É, seu Sete, tempão, né?
- Gostou dos passeio lá na Terra Velha?
- Ah, foi muito bom sim.
- Hehehehe. Mizifi andou muito.
- Bastante, seu Sete.
- E o que que mizifi tá fazendo agora?
- Tô fazendo um cursinho aí.
- Eparrê, mizifi, eparrê.
- Eparrê pro senhor também, seu Sete.
- Já sabe que o cavalo – é como eles se referem ao hospedeiro - tá trabaiando, né?
- Sei sim.
- E ele já falou com suncê?
- Falou.
- E suncê?
- Ah, seu Sete, isso aí não é muito a minha, não.
- Mas suncê num gosta de cascaio?
- Gosto sim, seu Sete. Gosto muito.
- Então mizifi tem que ajudar o cavalo.
- Mas é que eu...
- Não, não, não. Seu Sete vai expricá pra suncê cumé que faz?
- Ahn???
- Depois suncê vai entender porque que os amigo do cavalo lá na Net Food (pronúncia perfeita) anda tudo com brum-brum bonito, grande.
- Brum-brum?
- Cumé que é brum-brum mesmo, Richardson?
- É carro, seu Sete?
- Isso, carro grande, importado.

Nesse exato momento, seu Sete pede ao Richardson que pegue o quadro branco e dois pilotos pra ele. Com uma habilidade e demonstrando total domínio do assunto, o Exu me explica todo o processo de pontuação e premiação, me diz como ir de um simples membro da corrente a diamante e arrisca até uma previsão de compra do meu primeiro "brum-brum" importado. "Com banco de couro", me disse, mostrando um conhecimento automobilístico antes impensado para quem há poucos minutos não sabia nem pronunciar a palavra carro. Desenhava esquemas e gráficos com extrema habilidade e não fosse a voz engabelada e o fato de o cara ainda estar vivo, eu diria que estava na presença do espírito de Philip Kottler, o papa do marketing mundial. Uma palestra grátis e, melhor ainda, só pra mim.

Apesar da brilhante explanação que veio do Além, mantive-me firme na idéia de não aderir àquela pirâmide. Não sei se por causa disso meu nome foi pra boca do sapo ou se enterraram uma cabeça de porco no quintal lá de casa. Acontece que agora sabemos a força que têm o marketing e a propaganda no mundo atual, globalizado.

E, quer queiram, quer não, seu Sete arrebentou.

o fundo buraco do Tatu

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