Quando passo por essas estradas, sinto uma necessidade absurda de parar em acostamentos. Tirar fotos dos caminhos do passado, observar os vales e as montanhas já vencidos. Quero a paisagem sob minhas rodas, o próprio chão por onde me perdi.
Muita gente acha que isso é pura nostalgia, ou que é um profundo esquecimento. Que quero simplesmente ter lembranças de tudo, para não ter que me esforçar, e me lembrar.
Na verdade eu só quero olhar para todos aqueles lugares, e comparar o que sentia então com o que sinto agora. Cada foto é somente uma interpretação, um instantâneo, uma lembrança que nunca se mantém a mesma dentro da gente. Simplesmente a gente muda, e tudo que ficou para trás também se transforma em algo que você não sabe realmente interpretar.
Quando saí da vida dela, eu sabia que a casa não tinha como se manter a mesma. Certas redecorações são necessárias para corações partidos. Os objetos parados criam poeira, e mesmo sob os móveis pesados o chão muda de cor e consistência. Coloca-se um quadro novo na parede, flores frescas em um jarro, travas novas pelas portas.
Fechaduras por onde não se espia, esperando o dono das chaves certas.
Por isso não espero as lembranças intocadas, não tenho essa ilusão. Elas se misturam em nosso sangue, diluem em nossos pensamentos, provocam a formação de um novo amálgama. Acho que essa é a real definição de sangue novo, mercurial. Pulsa em minhas têmporas, esquenta minhas mãos, formiga ao som desse motor.
Me lembro daquela foto em que você sorria, segurando as mãos contra o sol, em um vestido que já se esgarçou.
Dessa foto que guardei, percebo a luz daquele momento, a incidência de uma emoção. Nenhum sorriso se repete realmente, mas outros virão.
A estrada segue os contornos de uma montanha ainda distante, e meu coração precisa de mais velocidade. Casas que antes pareciam de brinquedo vão sendo tingidas de realidade.
E eu só quero chegar lá.
polaroid do Cardiotopia
24.3.03
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