25.3.03

Diário de guerra: Longa jornada noite adentro

Enviado especial de Folha de S.Paulo a Bagdá
O pior da guerra, você descobre logo, é conseguir dormir. Os bombardeios não respeitam horário e, na fase em que os aviões são utilizados como agora, há inclusive uma preferência pela madrugada, quando a visão desde o solo fica prejudicada. Assim, ir para a cama vira quase, trocadilhos à parte, operação de guerra.

Primeiro, é preciso dormir vestido. Por vestido inclua aí os sapatos. Amarrados. É verdade: se uma bomba atinge o lugar ou próximo do lugar em que você está e se, por uma sorte (que o faz continuar), a edificação não for totalmente destruída, é preciso gastar no máximo cinco minutos para chegar ao abrigo antiaéreo. Ou, se for menos grave, para chegar ao local e ver o que houve.

Assim, de calça, camisa, malha e sapatos, você se deita na cama. Não é possível entrar debaixo dos lençóis, claro. Nem tirar o relógio. Nem a credencial de imprensa, que vai identificá-lo na corrida ao abrigo. Nem o chamado "dog tag", que traz seu nome, tipo sanguíneo e telefone no Brasil. Nem as duas bolsas camufladas por dentro da roupa, uma com metade do dinheiro e as passagens, a outra com a outra metade, os cartões e passaporte.
Mas há mais. No chão a seu lado repousa o colete de trabalho, que tem de trazer pelo menos uma lanterna, para iluminar o caminho, que obviamente estará escuro. Também o espera a postos o colete à prova de balas e o capacete idem, itens que são cada vez mais utilizados pelos jornalistas no dia-a-dia desta cobertura em Bagdá, principalmente nos passeios de ônibus. Pesam sete e três quilos, respectivamente.

E uma mochila perenemente preparada e fechada, com água potável, comida desidratada, estojo de primeiros socorros, máscara de gás ABC (antiataques atômicos, biológicos e químicos) e caixa de antibiótico contra antraz.
Tudo pronto? Tente dormir. Desde sexta-feira, os bombardeios têm acontecido de meia em meia hora, mas ou menos. Antes de a bomba atingir seu alvo propriamente dito, há uma preparação sonora. Começa com as sirenes antiaéreas, que serão seguidas pelas baterias antiaéreas. Então, a explosão. Ou as explosões, pois elas têm acontecido em trios.

Passado tudo isso, sirene, bateria, bomba, explosão, vêm as ambulâncias. Aí, o silêncio. Então, você tenta de novo pegar no sono. Mas o motor da geladeira começa a funcionar, e você dá um salto. Ou um Passat brasileiro velho passa na rua com o escapamento aberto, e você pensa que é um avião se aproximando. (Ah, sim: agora, os norte-americanos estão usando aviões nos ataques; some esse barulho à sequência sonora.)

Digamos que mesmo assim o sono venha. Você começa a sonhar. Com terremotos, batidas de carro ou perseguições (é verdade). Aí, pontualmente às 4h40 da manhã, os muezins vão aos minaretes para chamar os fiéis para a reza pelos alto-falantes. Depois deles, acordam os passarinhos (ainda há aves em Bagdá, apesar da guerra e do petróleo queimado no ar) e, depois deles, começa a sinfonia de cachorros.

Não dormiu? Tarde demais: já é hora da próxima bomba.

tá, não é um blog, é o SÉRGIO DÁVILA na Folha Online - Mundo, mas paciência.

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