18.3.03

Reflexão das dez horas...

Passar o dia pensando no que vai escrever durante a noite. Qual será o assunto em questão? Como abordá-lo? Que conclusão terá? Há vezes em que me sento em um lugar qualquer procurando descobrir o que vou escrever mais tarde. Essas são o que chamo de "as horas absurdas". Um mundo como este é prodigioso de interesse e matéria diversa! Mas e nossas vidas? Não haverá matéria suficiente que possa interessar? O que ainda é possível descobrir de novo sobre o mundo e sobre nós mesmos? O artista sai de seu pequenino albergue chamado vida particular e vai investigar o mundo a sua volta de forma desinteressada apenas para retornar avidamente para o ser. Ele está preso a condição especular que o faz se debruçar sobre si para si mesmo. Como escrevera Descartes, trata-se de pensamento que se pensa a si mesmo e para si próprio. O grande tema para todo e qualquer artista é a curiosidade para consigo e num âmbito mais específico, para com as relações que estabelece com o universo: o que já teve o poder de o comover? o que continua lhe comovendo? o que o comoverá ainda? Tudo o que o artista revela são circularidades que escapam e retornam para a sua própria natureza. O fato de maior interesse para nós é que aquilo que retorna já é transformação. Então o artista senta-se num canto qualquer, durante as suas horas mais absurdas, e cata de grão-em-grão os assuntos que possam vir a resgatar a sua própria vida. Ele descobre um novo matiz no colorido da íris da pessoa amada, ele desvenda o mistério dos sons harmônicos, ele aprende a se equilibrar sobre as ondas do mar, ele se espanta com a suavidade das próprias mãos. O artista, por fim, reinventa os assuntos, recria o sentido das coisas, faz novos bricolages com as metáforas. É um ser que se reinventa para caber melhor no mundo.

Uma das grandes divagações do Tratado Geral das Grandezas do Ínfimo

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