13.3.03

Savassi, rua de trás do posto da Obra. Parei o carro, fomos até a porta e voltamos uns 10 minutos mais tarde.
O pequeno guardião teen de formas arredondadas e topete oxigenado erguido no cabelo araminho estava lá, cobertor como manto e apoiado com as duas mãos num cabo de vassoura como que num cajado. Buscando seu soldo:

- dá um trocado ?!

- não...fiquei só dez minutos, e pelos meus cálculos, é você quem me deve...

- daí ou...

- nem fudendo...

- ou...eu moro na rua !!! daí...

- olha o tanto de carro aí rapá, meu trocado nem vai te fazer falta !

- mas eu tô indo embora agora...

- pra onde ? pra rua ?

O moleque coça o topete e resolve mudar de assunto quando já estou dentro do carro:

- essa mulher é sua ?

- até onde sei, sim...

- nó, ela parece modelo...

- valeu...

- fala pra ela me procurar quando vocês terminarem !

- pode deixar, ela te liga...

- fala pra ela que eu amo ela !!!

- aí não ! aí você leva...

- levo o que ?

- aí que mora o perigo... vai pagar pra ver ?

- nem...antes eu tava pedindo, agora vou pagar !?

(...)

Tarde de domingo, espero no carro por um casal amigo, estacionado em uma ruazinha do Luxemburgo. Um imundo mala de beiças inchadas e dentes podres se aproxima:

- xalablá blábleuf ?

- quê ?

- labláf ?

- o quê ?? não tô entendendo bulhufas !

- xôlává !?

- o carro ???

- é...(+ resmungos)

- ô amigão...não me leva a mal não mas você não consegue nem se lavar, vai lavar o carro ???

Ele resmunga mais um pouco, mais um tanto, mais alto, aproxima as sombrancelha apertando e franzindo a testa. Dá um passo a frente, entorta a cabeça e olha para dentro do carro. Desentorta, respira fundo, olha nos meus olhos e, surpreso, exclama em alto tom de voz:

- DUZENTOS QUILÔMETROS !!!

- ???

- DUZENTOS QUILÔMETROS !!!

- o que tem duzentos quilômetros ?

- DUZENTOS !!!

Conferi o painel do carro, o hodômetro é digital e estava apagado. Carro popular só tem, além do hodômetro, indicadores de temperatura, gasolina e velocidade. Conclui sem muito trabalho do que ele estava falando.

- ah tá... a velocidade máxima...

- é...MÁXIMA ! Duzentos quilômetros ! Antes era só Alfa Romeu...depois, depois veio a bê-ême-dábliu. Aí fudeu, mercedes e tal e fudeu...

- é...

Ele toma fôlego, desiste do papo da velocidade e finalmente pede, apontando para o cigarro na minha mão:

- num tem um irmãozinho desse não ?

- foi mal, filho único.

- dá um traguinho então...

- não rola...você sabe como é, filho único é sempre mimado...

- RÁ !!!

Ele então caminha pra longe, resmungando e chutando pedrinhas no caminho.

estrimilique do random spasm

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