30.3.03

Seis e meia da manhã quando saio para caminhar. Você detestaria, eu sei. Ficaria dormindo até eu voltar e quando eu chegasse meu dedinho ligaria a cafeteira, meu corpo gelado se enfiaria debaixo dos lençóis e se enroscaria em você como cobra. Você detestaria. Sim, eu sei. Mas não diria. Faria uns "ãh... hum... ai", viraria para o outro lado. E eu ficaria ali te cheirando o pescoço. Faz frio às seis da manhã. Ventinho gelado na rua, do sol apenas um tom rosado, atrás da colina. Atravesso a avenida, nenhum automóvel. João de barro quer assunto. Digo bom dia. Você não daria bola. Mas se um dia você viesse comigo, eu te mostraria a casa dele. Fica depois da curva, numa velha árvore. Eu te mostraria um jardim que descobri. Depois daquela cerca, há hortências que devem ficar azuladas na primavera. Mas o mais inquietante, são os cactos. Eles se intercalam entre as hortências na maior intimidade, como se fossem primos, amigos, irmãos. Você não acreditaria. E eu te contaria sobre aquela névoa que se formava sobre o lago durante esta manhã, enquanto minhas pernas estivessem enroscadas nas tuas, debaixo do edredom, e você fingindo que prestava atenção, dizendo arrã, eu sei, tá. E o cheiro do café entraria manso e morno pelo quarto. E eu te beijaria atrás da orelha. Te diria que está na hora, e na ponta do lóbulo esquerdo, uma mordidinha de leve. Você detestaria. Mas abriria os olhos, finalmente, e os colocaria sobre meu rosto em risos... e então você se lembraria de mim, do amor que eu tinha, do beijo meu. E me abraçaria bem forte. E doeria. E eu detestaria te dizer, mas diria: amor, acorda... a gente não existe e eu estou caminhando só.

its dedicated to the one... Walkwoman

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