27.4.03

DIARRÉIA

Consegui convencer meu corpo cansado e o meu cú frouxo para conseguir chegar sem maiores danos até o posto de sáude. Ao chegar, uma fila enorme formada de mulheres acalmando crianças chorosas no colo, velhinhos limpando seus narizes catarrentos pela décima segunda vez em seus lencinhos, conseguindo a proeza de dobrá-los mais vezes do que as leis da física permitem. Mocinhas com seus 16 anos e barrigas de 7 meses e meio. Material para dar e vender para qualquer antropólogo que queira aventurar-se por estas bandas pobres.

Enfrentei a tal fila, trançando as pernas, contraindo a bunda e tentando não pensar no que era quase inevitável. Cheguei a pensar em simular um desmaio, uma convulsão, mas cheguei a conclusão de que as recepcionistas estava fartas de tais encenações quando vi o tédio rascunhado no rosto de cada uma.

Usei de gestos leves e voz baixa para informar que eu precisava de um clínico-geral. Usei da mentirinha que havia esquecido o comprovante de endereço, afinal, eu estava num posto de saúde de Taboão da Serra. Moro em Embu das Artes, mas o posto de saúde mais próximo de casa é o da cidade vizinha, e eu não poderia correr nenhum risco, meu cu não agüentaria muito tempo. Pela minha cara, a recepcionista deve ter pensando que eu realmente não estava em condições de lembrar ou de procurar nas gavetas um comprovante de residência, de modo que aceitou o endereço falso que informei e apontou-me o corredor para que eu aguardasse minha vez para a consulta.

Mal entrei no corredor e fui olhando porta por porta, na esperança de encontrar a milagrosa palavra "masculino" ou "banheiro" ou "homens" ou o desenho de uma cartola ou de um meininho como nos sinais de trânsito, o lugar aonde eu poderia render-me à minha diarréia que estava cobrando o prêmio por sua paciência. Adentrei o tão sonhado banheiro e descobri que ele não era tão "dos sonhos" assim. Não havia sabonete líquido para lavar as mãos, ele era pequeno e o mais desesperador era que NÃO HAVIA PAPEL.

Saí, e sem pensar em vergonha ou qualquer timidez, afinal, vergonha maior seria ter as calças borradas, entrei na enfermaria e, educadamente pedi licença às enfermeiras e peguei um dois três quatro quatro cinco seis pedaços de papel. Elas não ligaram, provavelmente outros já haviam feito o mesmo. Corri para o banheiro, e ainda descobri triste que a porta não possuia trincos. Numa demonstração ímpar de paciência e coragem isolei a borda do vaso para então começar o ritual de evasão, sempre com os reflexos em dia para gritar "TEM GENTE" ao menor movimento da porta.

Apesar do prazer que sinto em demorar-me quando vou ao banheiro, até havia levado uma revista para matar o tempo, como faço de costume, não quis arriscar-me a perder a voz de tanto gritar para alertar minha presença. Voltei ao corredor de espera, esperei mais alguns minutos e escutei meu nome sendo chamado por uma voz feminina no consultório número três.

Era uma mulher nova, mais alta do que eu, usando óculos e cabelos alaranjados. Fez as perguntas de praxe, arriscou o nome da bactéria, impronunciável e "imlembrável". Pediu para que eu sentasse na maca para que utiliza-se o estetoscópio em mim. Pediu que levanta-se a camisa. Deu atenção a minha tatuagem horrível nas costas, disse ter gostado. Os olhos arregalaram-se quando viu meus piercings no mamilo. "Posso?" ela perguntou, ao que eu respondi com uma sacudida de ombros, nem imaginando o que ela queria dizer com isso.

Deu uma mordida de leve no mamilo esquerdo, que resultou num "ai" abafado meio bichistico da minha parte. "Doeu?" "Não beibi, não esquenta". Voltou a dar moridelas e lambidas, e o cu avisando que estava com saudades do banheiro sem trinco na porta. Soltei um "Porra" baixinho por entre os dentes e ela "Oi?". Segurei seu peito esquerdo e disse "Beibi, infelizmente o que eu preciso hoje é de um remédio." "Oh, desculpe". "Sem problemas". Ajeitei a camisa enquanto ela escrevia a receita, "Ei, até que você não tem um garranchão.". Ela sorriu e voltou a escrever. Carimbou a receita e o atestado que eu pedi para poder faltar ao trabalho com a consciência tranqüila. Na despedida, enfiei a língua em sua garganta e pedi desculpas pelo meu cú.

Corri na enfermaria para pegar os os sete papéis (mais um pra garantir) e de lá para o banheiro mais uma vez e mais uma vez cometi o ritual de isolar e mijar pelo rabo e gritar "TEM GENTE". Dali, fui pra uma sala também cheio de enfermeiras e de gente internada. Dei a receita para o enfermeiro bicha que antes de olhar para a receita abriu um sorriso para a camisa que eu usava, com a estampa de uma banda inglesa "Nossa, nunca que eu ia pensar que alguém por aqui ia gostar deles também" e começou a cantarolar as músicas da banda, imitando os treijeitos do vocalista enquanto preparava a agulha e o soro.

Como não havia mais macas, tive que contentar-me com a cadeira dura de plástico, ouvindo o enfermeiro (ainda) cantando as músicas enfermaria afora. Eu tentava encontrar uma posição confortável, e olhava para o soro que parecia descer cada vez mais devagar. Curvei-me abaixando a cabeça sobre os braços cruzados sobre as coxas, torcendo para pegar no sono, para dois minutos depois ser advertido pelo enfermeiro que aquilo só faria o soro descer mais devagar. Então juntei mais duas cadeiras e joguei-me sobre elas, esquecendo a dor nas costas e o enfermeiro só apareceu para avisar que o soro havia acabado.

Saí do posto de saúde com o sol do meio-dia fritando os piolhos, com um algodão tapando o furo do soro e torcendo para que Cristiane tivesse comprado maçãs e preparado uma jarra de chá-mate gelado antes de ir para o trabalho.

um oferecimento Enloucrescendo

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