3.4.03

Primeiro de abril do mal (parte II)

- Cadu? Oi, é a Shirley...
- Shirley? O que foi que aconteceu?
- Calma Cadu! Eu nem falei nada... você está bem?
- Aconteceu alguma coisa com a Alessandra? Ela foi atrás do flash, não foi?
Minha irmã prendia o nariz com os dedos pra não rir. Ele devia estar tão preocupado com o que tinha acontecido na noite anterior, que ela não resistiu.
- Olha, eu acho que está tudo bem. É que eu estou sozinha em casa, minha mãe ligou e está com ela no hospital.
- Hospital?
- É... ela foi pegar o dinheiro de volta, teve um tiroteio na favela e levaram ela de ambulância para o hospi... Cadu? Cadu? Você está aí? Cacete, não tem ninguém no telefone!
Peguei o telefone da mão dela. O telefone estava mudo, ninguém respondia. Desliguei.
- Como assim? O que ele disse? O que você falou?
- O que eu falei? Tá louca? Você ouviu o que eu falei! Será que ele desmaiou? É um tonto esse seu namorado, hein? Que cabeça de jerico!
- Ele é um amor, não fala mal dele! Mas... puta-que-o-pariu, Shirley! E agora?
Por um momento, ficamos as duas rindo desesperadas, sem saber o que fazer. Ligávamos para a casa dele e só dava ocupado. O telefone estaria fora do gancho? Sem saber que atitude tomar, tivemos a brilhante idéia de ligar pra uma vizinha que pudesse nos ajudar. Graças ao serviço de auxílio à lista, encontramos um nome conhecido. Minha irmã ligou.
- Alô. Por favor a dona Eulália?
- Ela mesma.
- Oi, é a Shirley que está falando, irmã da Alessandra.
- Ah! Shirley do céu! O que aconteceu com a sua irmã?
- Até a senhora já sabe?
A Shirley jogou a mão sobre a testa. Como ela não entendia meus sinais, comecei a sussurrar: - Pede pra ela avisar que o telefone está fora do gancho. - Levei um pontapé.
- Então dona Eulália, eu estava falando com o Cadu e ele esqueceu o telefone fora do gancho...
- Ah, mas ele ficou tão aflito que saiu cego à procura de um táxi.
- Saiu? Táxi?
- O quê? O quê? - Grudei o ouvido no aparelho. Precisava ouvir o que a vizinha dizia.
- O carro dele está com o Papo (o pai). Ele saiu correndo atrás de um táxi e está indo pra sua casa.
- Ahnnnnn! Mas...e agora? Ele é louco?
- Não fala que é mentira. - Ajoelhei e implorei, grudada nas pernas da minha irmã. Ela deu um croque na minha cabeça e me empurrou com a perna.
- Dona Eulália, faz tempo que ele saiu?
- Nem cinco minutos. Foi todo mundo com ele! A Marisa (a mãe), a Daniela (a irmã), o Bênio (o irmão) e a Fifi (a poodle preta).
- Até a Fifi?
- Eles saíram com tanta pressa que levaram a cachorra junto. Olha, me dá noticias da Alessandra assim que ela voltar do hospital, viu?
- Claro... ligo sim. Um beijo pra senhora.
Ela desligou o telefone e ficou olhando pra minha cara.
- Lascou! E agora?
- Como é que aquele louco do seu namorado faz um negócio desses?
- Ai, chega! A gente precisa pensar em uma solução. Daqui no máximo a uma hora eles estarão aqui.
- A gente uma ova! Problema seu. Vou dizer que você me obrigou e não quero nem saber. Vire-se, cada um com seus problemas.
- Eu faço tudo que você quiser se você me ajudar a sair dessa.
- Meu! A hora que a mamãe chegar e souber essa história ela vai matar a gente!
- Puta-que-o-pariu! Esqueci da mamãe!

- O que é que tem a mamãe?
Parada na porta da sala com pose de açucareiro, o tom de voz da minha mãe prometia várias chineladas. Explicar o ocorrido não seria nada fácil.

Primeiro de abril do mal ( parte III )

- Mãe, pelamordedeus! Você precisa ajudar a gente!
- Foi idéia da Alessandra!
- O que vocês aprontaram?
- Não olha pra mim, não! Pergunta pra Alessandra.
- Você sabe que hoje é primeiro de abril, né?
- Fala de uma vez antes que eu dê uma surra nas duas!
- Pára, mãe! Sem essa, eu não tenho mais idade pra apanhar. Foi só um acidente. Na verdade, só você pode nos salvar...
- Que acidente?
- Não, nenhum acidente. É que a Shirley ligou para o Cadu e...
- Liguei porque ela mandou, mãe!
- Quieta! Deixa a sua irmã explicar.
- Então... ela ligou de brincadeira. Disse que eu voltei na favela para recuperar meu flash, que houve um tiroteio, que uma ambulância me levou pra um hospital e que você estava lá comigo. Só que o Cadu não esperou ela dizer que era primeiro de abril e largou a Shirley falando sozinha no telefone. Aí a gente ligou pra vizinha dele e ela disse que eles estão vindo pra cá de táxi. Ele e toda a família.
- Eu não posso acreditar que vocês fizeram uma palhaçada dessas com a família do Cadu!
- Mãe, por favor! Se a gente disser que foi só um susto, que eu desmaiei no meio do tiroteio e que você foi me buscar no hospital, nada de mais vai acontecer. Eles não precisam saber que foi tudo mentira. Eu vou morrer de vergonha...
- Que morra! Quem sabe assim você aprende. Não me peça para mentir e compactuar com esta situação ridícula que vocês duas tramaram. E esperem só o pai de vocês chegar em casa!
- Mãe, eu não tive culpa. A Alessandra que inventou tudo!
- Você ajudou, a culpa é sua também. Não quero saber de discussão...
Durante meia hora, imploramos e choramos aos pés da minha mãe. Eu, pedindo que ela não me entregasse aos parentes do Cadu e minha irmã, pedindo que ela não a entregasse ao meu pai. Até que a campainha tocou.
- São eles! Mãe, tenha dó de mim! Eu vou pra cama, você diz que eu tô descansando e a Shirley confirma tudo.
- Eu vou é cair na gargalhada.
- Shirley, se você der um risinho, um único risinho, eu juro que te soco quando eles forem embora.
Corri para debaixo das cobertas e esperei pelo pior. Se uma das duas desse pra trás eu estaria arruinada. Eu e o namoro...

Continua---->>>

AMARULA COM SUCRILHOS

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