5.5.03

Decidi viajar pra Angra dos Reis no inverno. Iria aproveitar aquela beleza toda, tomar litros de taff man e tocar minha gaita até altas horas da madrugada. Se aparecesse algum turista, já tinha tudo preparado: uma colcha remendada e três quilos de estopa pra me encapotar e ir mendigar na areia da praia, babando clara em neve.

Ia pela estrada dirigindo ao embalo de "Chuva fina no meu pára-brisas", do Rei roberto, mas lá fora a realidade era outra. Tempestade magnética, granizo e destruição. Me sentia na última fase do enduro. Minha mente foi dominada por aqueles ruídos do jogo, quando, súbito, um objeto bateu no vidro do carro. Encostei e desci pra ver o que era — pra mim era um cascalho, uma andorinha. Mas não, era um cachorro. Chutei pra ver se ele acordava. O bicho estava magro, era o pau da rabiola, nem mexia. Tentei a famosa técnica heimlich, tentei pressionar o peito com o pé. E nada. Ao longe, vi um par de sirenes verdes. Era a polícia florestal.

— O senhor é ciente de que esse é um crime inafiançável? — perguntou-me um policial que apareceu do nada ao meu lado.
— Perdão?
— É um lobo-guará!

Olhei para a câmera 1 e levantei a sobrancelha direita pensando na zica que aquilo ia dar.

— Mas como assim, meu senhor! Eu vinha trazendo este frasco de groselha na carroceria, percebi que o bichano estava meio raquítico e resolvi encostar para alimentá-lo! Veja como está vivo! — dancei, então, uma catira abraçado com o lobo.

O guarda alisou o bigode, com um olhar de desconfiança.

— Não sei. Está muito quieto. O legítimo lobo-guará é bastante alvoroçado nesta época do ano.

Não era possível. Aquele guardinha-mirim sacana estava a um passo de me enquadrar. A idéia de ventriloqüismo me ocorreu. Pus o lobo no colo e comecei a puxar uns nervos da coluna vertebral dele. Ele mexia a boca e eu latia. O guarda se aquietou. Mas eu, que já tinha bebido umas três garrafinhas de taff man e, me distraí e comecei a imitar uma galinha d'angola. O policial percebeu na hora a armação e eu fugi numa charrete que passava. E isso já tem cinqüenta anos. O policial que me parou era, na verdade, o vigilante rodoviário. E até hoje corre a lenda que os motoristas desavisados que passam por lá vêem um lobo-guará cadavérico todo ensangüentado.

— TÔ FRACO! TÔ FRACO!

Clube da Comédia

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