19.5.03

Experimenta colocar um animal numa gaiola. Depois coloque ali dentro alguma comida da qual ele goste e ligue eletrodos a ela, de modo que toda vez que ele tentar pegá-la, vai tomar um choque. Uma hora ele desiste. Ele vai tentar um bocado. Vai procurar compreender porquê algo que devia ser agradável ao paladar está lhe causando incômodo. Mas ele acaba desistindo. E nunca mais vai se aproximar daquele tipo de alimento sem ficar muito ressabiado.

O ponto é que uma hora você também desiste. Toda vez que você estica a mão pra pegar algo que te interessa, toma um tapa. Toda hora que você tenta morder algo que quer, leva um choque. Toda hora que você tenta ter algum prazer com alguma coisa, se ferra.

Uma hora você cansa, sabe como é?
E aí você simplesmente senta num canto e fica vendo tudo o que te interessa ir embora. Porque tolerância tem limite.
E você vai se tornando calejado.
E cada cicatriz nova é um pedaço pequeno seu que morre, que perde sensibilidade.
E você vai se tornando cínico.
E sua visão passa a ser manchada por tons de cinza.
E seu coração vai de vez pra segundo plano.

E aí você procura uma pessoa que você sabe que era e não encontra mais.
E aí você tenta se lembrar de como era ser menos amargo. Mas não consegue.
E aí alguma coisa no seu peito aperta. E você tem uma sensação esquisita, que talvez fosse tristeza.
Mas você não se lembra mais.

Você nem se lembra mais.
...

Oito meses é muito pouco tempo pra você se acostumar a não ter mais esperança de coisa nenhuma...
Pouco tempo pra tanta mudança.
Pouco tempo pra você se acostumar com a nova pessoa que acabou virando, muito mais por atuação de fatores externos, que te forçaram a se enterrar fundo dentro de si mesmo.
Pouco tempo...

No Utopia Dilucular

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