19.5.03

A manhã despontou, o sol subiu célere um salto acima do horizonte, a terra cobriu - se de ouro e calor , vente leve ergueu - se , ar com gosto de poeira veio refrescar as mãos no volante do homem suado e cansado, a estrada solitária seguia no alem ...
...ao meio dia o vento cessou , o dia explodiu como melancia madura , suco morno e sufocante escorreu pelas costas dele, deu -se conta do tédio, do cansaço , a terra quente esmagada pelo sol exalou sopro abafado, impregnou ele com o odor do seu próprio suor misturado com o cheiro dos gases do escape da caminhonete, deu - se conta de repente do cansaço, de que estava a caminho do nada , fugindo do tudo, lembranças lentas subiram dentro dele , uma pedra pela garganta , respiração acelerada , sorriso crispado, vomito , despejou o fétido pela janela , acendeu um cigarro, engasgou - se com a fumaça, o fôlego enfraqueceu , aspirou golfada de ar , peito roncou , barriga da perna tesa , mãos insensíveis , olhos abertos como para a morte...nada , nenhum amor, um deserto infinito de solidão, sua ultima cartada?...parou o carro na porta do boteco, zunido aborrecido o perturbou, com olhos semi - cerrados tentou ver, saber, em cima do telhado cata - vento girava , revolvia, ora num sentido, oura noutro, sem intervalos, sensação do irreal o acometeu, seria ela, meu Deus ela, ar pesado nos ombros, nenhuma brisa, nada se movia, apenas aquele zunido, cata - vento a girar, a girar, estremeceu, entrou...
-... café, água...
...sombras indicavam presenças, imobilizadas, o olharam, o homem de trás do balcão colocou copo com café fumegante e garrafa de água à sua frente, o viajante cuspiu saliva seca no chão de terra.
- vem donde?
- Mombaça! e aqui é?
- Carira - respondeu uma sombra - vai pra donde?
- Poço Verde! - falou o homem sentado numa mesinha.
O recém chegado o fitou:
- como sabe?
- a estrada acaba lá, depois só o rio...mais uma! - bateu com o copo na mesa, ninguém se moveu:
- quem é você?
O viajante virou - se , ondas de sangue subirem - lhe nas temporãs.
- sei quem é - continuou o homem da mesinha - é um deles, chupa - sangue.
Diante do olhar sombrio do outro ele viu o ambiente de repente com cores brilhantes, o cenário deprimente clareado.
- não liga pra ele, moço - falou um dos presentes - dz isso pra todos os de fora...
-...o caboclo me deu guarida - a voz monocórdia devolveu o mal estar ao viajante - o cachorro dele era louco, tinha que ser morto...
- ...não quis atirar pra não gastar chumbo - falou uma das sombras - aí...
- ...amarrou dinamite no pescoço do bicho - continuou a voz monótona - esticou o pavio...
-...o bicho quase desfalecido , como podia saber?acendeu o pavio , o danado do cão reanimou e correu de volta pra casa , que nem vento...o casebre explodiu, morreu o bicho, a mulher, o caboclo endoidou , correu aos berros, a alma penada dele vagueia por ai...
O viajante estremeceu.
-...o índio - falou o homem de trás do balcão - diz que chama ele, diz que é a alma do bicho, da mulher, do caboclo, tudo junto, lá da beira do precipício, manda ele se jogar de lá, mas aqui é tudo liso que nem mesa de bilhar.
Em algum lugar uma porta bateu, o eco lúgubre aumentou mais ainda o silencio.
- fantástico demais, coisa de ...
-... chupa - sangue ?
- vampiro!
- sim - falou o da mesa - conheço a historia dele...
-...e quem não conhece? ele...
-...o recém - nascido e ela pela catinga afora, o peito dela murcho e seco, pegou a peixeira e se cortou , bem ali na veia, a criança sugou o sangue, foram encontrados , ela morta, ele vivo...agora tá crescido e anda por aqui...o moço é ele?
O viajante encostou - se no balcão, respirou tudo que o mundo lhe oferecia de estranho e solitário naquele momento, a solidão na pobreza desse local , terrível miséria...
- não pode ficar aqui - escutou.
- eu a amava - falou o viajante com esforço - Marta...

... segue no Yehuda

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