3.5.03

Quando eu disse que foi por você, acho que você não ouviu. Repeti. Foi por você. Quando devolvi as chaves, você não pegou e eu deixei sobre a mesa, você não olhou, mas no chaveiro era um pedaço meu. Foi por você. Mas você não escuta. Minha voz não sai, tal qual nos sonhos em que precisamos desesperadamente gritar e o som fica preso na garganta, a boca articulando palavras mudas. E você não saberá porque está de costas enquanto eu me dirijo à porta. Vou andando, passo a passo, fazendo a prece "me chame". E meus passos resolutos e firmes (fingidos) me levam para o longo corredor. O botão do elevador me escuta. Você não. Suas costas na minha mente, e minha memória recoloca sobre elas minhas mãos antes de dormirmos. Ouço a pergunta "vamos" e nossos sorrisos suspeitos. Vamos. Mas agora são costas que não me escutam. E não vamos. Não mais. Porque o elevador chega. E você não. Não volto eu falei lá dentro. Você ouviu, sim. Mas esta sua repugnante mania de não me magoar provoca-me náuseas. A você também dou minhas costas. Pé direito. Depois o esquerdo. A porta fechando. Quando eu fui, não foi por outro motivo a não ser por você, e se ficasse nem sei se seria por mim. Foi por você, mas teria que ser de frente, de olhos por dentro dos meus, e com a pele das costas entre meus dedos. Não por seu olhar no nada, não por seu silêncio assassino. Aperto o botão. Agora é descer. Poço de elevador: lugar estranho para se chegar à certas conclusões. Descendo. Quando a porta abre, ainda é dia lá fora.

Walkwoman

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