15.6.03

Até 10 de agosto

As costas doem. A vida de grávida cansa. Carandiru é uma bosta.

Achei que seria diferente, que escreveria um diário grávido, que de fato comecei, mas nunca passei do primeiro dia. Achei que leria todos os livros que faltavam, que mudaria para uma casa ensolarada com todas as minhas coisas em ordem e um certo lugar para o Beanie, os gatos disputando espaços com ele e com o sol. A música nas caixas, os discos nos lugares, os livros todos juntos. Achei que ficaria calminha em casa, lendo e escrevendo.

A casa é uma maçaroca das minhas coisas com as do Marcelo e as do Beanie, não tenho mais disposição de ficar limpando nada, como tinha com as outras casas. Esta não era para ser minha casa, mas acabou virando. Então tem um ar temporário, e é muito pequena, e não cabem todas as coisas, e o fogão ainda não foi ligado, vivemos de um forninho e um esquentador de acampamento. Já faz 7 meses que estamos aqui e nada acontece. Minha inspiração foi sugada pelo útero, minhas noites já não são as mesmas. Às vezes as vozes da insanidade me visitam, e às vezes não consigo mandá-las embora, então eu fico louca. Mas passa. Já disse que escolhi chocar. E essa vai ser minha maior criação.
O Beanie se mexe muito. Não engordei quase nada, tenho novas estrias que coçam. Todo mundo tem um conselho inútil para dar, todo mundo fala que agora é que vai piorar, mas nunca piora e falta só dois meses. Meus pés não incharam, não fiquei com papada, só tive uma variz, que nem existe no singular. Não vomitei em ninguém, tive alguns poucos desejos e fiquei viciada em suco de tomate. Saí normalmente, bebi um pouco, fumei um pouco e meu filho continua lindo e perfeito. Essas mães que param de respirar porque engravidaram e vivem de fazer enxoval, elas me dão pena, porque em algum momento, jogarão toda a frustração em cima dos filhos, que nada têm a ver com isso e terão que freqüentar psicólogos por causa das mães loucas. Pessoas que param de viver só para serem mães não são normais. Gravidez não é doença. Não significa perder a vida e a juventude. Só se você quiser, e eu não quero.

Finalmente entendi que minha vida não vai voltar a ser o que era. Mesmo antes do Beanie, eu ficava querendo que a vida fosse como quando morava com um amigo na Vila Madalena, depois como quando morava sozinha na Vila Mariana, ou quando bebia quatro dias a fio sem dormir, só escrevendo, ou quando passava noites fora de casa, de férias. O presente nunca me satisfazia. É tão fácil romantizar o passado, as coisas ruins ficam tão pequenas que quase não dá para lembrar. E eu vivia querendo voltar. Agora eu quero agora, a barriga mexendo, cada dia maior, cada dia que nunca mais vai voltar e que eu vou lembrar com gosto, os dias em que o Beanie foi Beanie e morava em mim.

Achei que seria diferente. Não costumo fazer planos, aliás, continuo não fazendo. O Beanie vai nascer em algum dia de agosto e ainda não temos nome e nem berço e nem espaço. Mas achei que seria diferente. Assim não é perfeito, mas do outro jeito eu moraria sozinha. Por um lado, seria ótimo. Por outro, uma bela merda. Não é hora de solidão. Agora eu quero dividir tudo, porque o Beanie é só metade meu. E apesar da falta de espaço, da falta de grana, da falta de roupas que me caibam, era exatamente assim que tinha que ser. Inclusive a parte do semi-abandono do brazileira!preta. Estou mudando meus métodos, porque minha vida também mudou. Nada que fica igual muito tempo é bom. E não adianta bater o pé por causa das mudanças. Quando elas têm que acontecer, nem pílula impede. Então agora é assim. Tenho outras coisas a fazer, uma vida que nunca vivi. A anterior está aí, para todo mundo ver, para quem quiser escavar meus arquivos, para quem quiser ler meu passado. O futuro está lá na frente, e o presente é silencioso. Pelo menos agora. A vida é uma puta louca e imprevisível, nunca dá pra saber o que vai acontecer amanhã quando você abrir os olhos. Por isso que vale. Senão seria uma vida de merda.

before you accuse me take a look at yourself, brazileira preta

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