Estávamos todos conversando animadamente na sala da casa da Catarina quando ela recebeu um telefonema de seu paquera e ficou ainda mais feliz: "Culpa do Santo! Está dando certo! Traz o Tonho! Vamos rezar mais!"
Tudo estava tranqüilo, até a Cathy acender a vela e me passar o livretinho: "Você lê a Oração Preparatória". Eu, que tinha acabado de aprender a Ave Maria, iria comandar a reza na qual também estavam presentes a Vó da Cathy e o Diego... Os três olhando para mim, esperando. "Ai, meu Deus!", pensei. "É melhor eu imaginar uma cena bem trágica, um futuro marido dando beijo na Tininha, porque eu não posso rir de jeito nenhum!" "Não vai começar, não?" E eu comecei: "Meu desvelado e solícito Protetor Santo Antônio...", seriamente. Até que na terceira linha... "para que me alcanceis da Divina Majestade o perdão dos meus pecados, as virtudes cristãs que praticastes em grau tão erótico" e depois que eu disse isso eu nem consegui consertar meu erro, tamanha foi minha vergonha e, simultaneamente, meu nervoso ataque de riso! Todo mundo muito sério na salinha - talvez pensassem na minha falta de respeito com o heróico santo - e eu não conseguia encarar ninguém, nem parar de rir. "Não tem problema rir", o Diego tentou amenizar a situação, "se você tiver fé". E eu fui obrigada a continuar. Mas depois deste ato falho, como dizer seriamente, dez linhas depois, "que enfim tenha a dita de o amar e gozar em vossa companhia, na glória" ou "conservai-nos o uso perfeito dos sentidos do corpo"... Muito difícil. Mesmo pensando na Tininha.
Foi assim a oração inteira. Quanto mais eu rezava, mais eu pecava. Até que, no final, a Vó da Cathy comentou muito brava que eu não sabia rezar. "Eu tentei", respondi, "mas confesso que realmente não consegui...". "Por quê?", ela perguntou mais brava ainda. Eu só tinha uma resposta possível: "Acho, Dona Mara, que é porque eu sou filha do Alan."
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(só pra você entender melhor este texto, saiba que meu pai conseguiu desviar metade de uma procissão imensa na Semana Santa, em Perdões! Ele e um amigo, cada qual numa fila da procissão, seguravam velas e fingiam rezar baixinho... Até que o Padre virou à direita, comandando a procissão, e meu pai e o amigo viraram à esquerda, só pra bagunçar. Todos atrás, muito concentrados, rezando, nem repararam e seguiram os hereges. Os dois fizeram milhares de pessoas passear por um monte de ruas, até encontrar o Padre, muito depois, cara a cara. O começo da procissão deu de cara com a outra metade, por obra de meu pai, que passou semanas se gabando deste feito! E este é só um dos exemplos que comprovam que eu não poderia mesmo ter nascido beata...)
heresia em Despropósitos
26.6.03
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