29.6.03

Mariazinha

Hoje, quando sua mãe ligou para casa e pediu para falar com você chamando-lhe pelo nome diminutivo, senti-me estranhamente próximo a ela, sua mãe. Porque percebi que eu e ela – e só nós dois no mundo todo - sabemos algo muito caro e precioso a quem a ama. É que você jamais deixará de ser um nome diminutivo.

- Alô. A Mariazinha está? – perguntou sua mãe. E eu fiz um silêncio instantâneo, praticamente imperceptível, durante o qual fui tomado por uma luz celeste, destas nas quais você crê e eu não.

- Não. Está trabalhando – respondi. Mas era uma mentira. A Mariazinha com quem ela queria falar (e com a qual eu gostaria de estar naquele momento) não estava no trabalho. Nem no cinema, nem fazendo as unhas, nem jantando, nem em lugar nenhum. A Mariazinha havia desaparecido.

Ou melhor, fora seqüestrada. E eu quis dizer para a sua mãe – e teria dito, se não me sentisse tão culpado – que todo o seqüestro se desenrolou na minha frente. Sem que eu tivesse reação alguma.

Mariazinha acordou e me abraçou como em todas as manhãs e me deu um beijo no pescoço, coisa que ela sabe que eu adoro. Disse bem baixinho, cuidando para não me acordar, ainda que saibamos sempre os dois que já me acordou:

- Vou levantar. Fica dormindo.

Não consigo ficar dormindo quando Mariazinha levanta assim tão linda. Virei-me para vê-la despertando. Ela andou em passos infantis, levantando demais os joelhos, numa simulação caricatural de pressa. Deu uma olhadinha para trás ainda, antes de desaparecer no banheiro.

Foi aqui que surgiu Maria. Eu devo ter pegado no sono, sei lá. Saiu do banheiro num terno preto, toda arrumada. Parecia-se com Mariazinha, mas logicamente era mais velha. Tinha o cabelo amarrado atrás, num rabo-de-cavalo maduro. Semi-desperto, perguntei por Mariazinha, mas a mulher já havia consumido a criança.

- Daqui a pouco Mariazinha deve estar aqui – disse eu à sua mãe. Não era uma promessa, claro. Para tanto, eu dependia da boa-vontade de Maria, que ela jogasse os sapatos de bico quadrado para o alto, tirasse a calça do terninho e ficasse à vontade, correndo de lá para cá, respondendo, quando eu pergunto se ela sabe que eu a amo:

- Eu sabo.


sequestro-relâmpago no Polzonoff

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