Meu quarto sempre foi meu aconchego, minha cara, meu refúgio. Não me refiro ao quarto no qual me encontro neste momento, mas o da antiga casa onde morava. Nasci e cresci naquele quarto. Passei 22 anos da minha vida sendo vizinha de D. Lola, que criava um galo na área do prédio, de D. Maria que sempre vinha pedir um tomatim, um bucadim de açúcar, um tequim de folha verde...De D. Hilda que tinha 300 filhos que brigavam o dia todo e garantiam baixaria de qualidade! Todos eles tinham seus quartos em frente ao meu e milhões de vezes eles presenciaram eu dançando que nem uma louca com os cabelos lá em cima, ou então conversando com as paredes (Edgard, pros mais íntimos) ou então tentando incomodá-los com música alta. Tive várias fases em que ficava enterrada no quarto o dia todo esperando o tempo passar. Meu pai não deixava eu brincar com as outras crianças porque eles eram ¿más companhias¿ e eu era superior (ainda bem que nunca acreditei nisso), e então eu ficava no quarto vivendo minhas fantasias, cortando minhas revistas, lendo, tentando em vão fazer roupas pras minhas Barbies, quebrando meus aparelhos de som quando não conseguia gravar a música que eu queria. Isso me ajudou a tomar gosto pelas coisas. Sempre que eu tinha uma oportunidade de brincar, eu curtia tanto que achava que ia morrer. Sempre que consegui gravar a música que queria ouvia compulsivamente até as pessoas me pedirem pra trocar.
Quando ficava triste, me escondia no guarda roupa, ficava no breu, remoendo minhas dores. Quando estava feliz armava uma barraca no quarto e chamava minhas primas pra acamparem. Fiz o possível e o impossível pra ser feliz ali dentro e fui. Quando já estava de mudança pra cá, fui a última a sair da casa. Arrumei tudo e depois quando entrei no quarto, aquele lugar onde eu tinha vivido quase tudo, ele estava vazio. Minha cama, meus posters, meu criado mudo, não havia mais nada. Eu me sentei no meio do quarto e minha vida passou como um filme na minha cabeça. Meus vizinhos me viram chorando, depois eu fui embora e nunca mais voltei.
Palavras achadas por uma Garota Perdida
11.6.03
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