23.7.03

São Paulo

A cidade inteira é feia - como uma pedra de rim num vidrinho. Imagine, um ao lado do outro, quarenta milhões de vidrinhos contendo pedras de rim. Agora imagine que um exército de demônios recebeu a ordem de construir prédios e pontes e ruas e calçadas rachadas com essas pedrinhas de rim ainda molhadas de álcool.

Eis a cidade de São Paulo.

Ah, lembro que achava a cidade tão feia que, ao sair de carro, me afundava no banco traseiro e não tirava os olhos do teto. Se via a cidade – especialmente o centro – ficava deprimido. Isso aos seis, sete. Estou contando vantagem da minha sensibilidade mórbida.

Mas esta é a vantagem de crescer numa cidade feia: você não cresce na cidade, você cresce em casa; mais especificamente, cresce na biblioteca do seu pai. Se fosse carioca, teria crescido na praia, jogado pelada com imbecis de nomes pitorescos como Joelhada ou Canguru. A cidade estaria ocupando a sua mente toda – já reparou que cariocas não têm outro assunto senão a cidade em que vivem? Cidades bonitas como o Rio ou Paris são âncoras: nenhum escritor que nasce nelas pode escrever sobre outra coisa: são escritores realistas que escrevem sobre seis ou sete esquinas. Numa cidade feia você está livre para pensar em qualquer coisa, escrever sobre qualquer coisa: especialmente vários tipos de céus e de infernos.


a cidade de alexandre soares silva

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