27.8.03

Alguns nomes e sobrenomes nunca me saíram da cabeça. Fatos e pessoas muitas vezes se perderam, mas alguns nomes sobreviveram aos dias e ficaram talhados na minha memória.

Uma mensagem antiga deixada em uma lista de discussão, pedia que orassem por ele. Eu não soube. Não naquele dia. Soube ontem. Soube porque não durmo, porque passo muitas noites em claro, noites que me remetem a um silêncio tão alto que, para ignorá-lo, deixo minha mente repetir nomes e lembranças.
Pensei nele algumas vezes nos últimos dias - ontem, antes de ontem e na semana passada. Não por acaso, mas porque nunca deixei de pensar. Há mais de uma década não o via. Durante este período nos falamos pouquíssimas vezes. Soube que ele mudou de São Paulo, casou pela segunda vez, que a primeira mulher tinha o meu nome... Ele vivia reclamando da quantidade de "Alessandras" que surgiam no seu caminho.

Quase não entrei para a lista. Ele insistiu. Insistiu que beijos de praia podiam subir a serra, que podiam acabar em namoro, que não morávamos tão longe um do outro, que não éramos tão jovens e que não havia nada de errado em dizer "eu te amo" na manhã seguinte. Arrastou-me para uma festa que atravessou a noite, me apresentou a sua cidade, seus amigos e uma família que eu adorei desde a primeira impressão. Algumas pessoas a gente não conhece, mas sim reconhece e ele me fez acreditar que eu era uma delas. Quando acordei, já estava na lista.

Foi um namoro rápido... Tão explosivo quanto nós dois. Perdi as contas de quantas vezes me meti em encrencas durante os poucos meses que namoramos escondido dos meus pais. Quatro ou cinco meses inventando estórias, dando desculpas e matando aulas para que pudéssemos nos encontrar. Imaturos e inexperientes, fomos, um para o outro, um bom test-drive de relacionamentos amorosos.

Quando acabou tentamos não nos perder de vista, mas as namoradas seguintes não deixaram. Infelizmente, pessoas apaixonadas não lidam bem com amores passados. Foi uma pena...

Disseram que foi um câncer, um câncer raro aos trinta anos de idade. Ele não me contou - estava longe demais pra contar - e dizer o quê, depois de tantos anos? Dividir a dor? Pra quê? Ele não quis dividi-la, não nos poucos interurbanos que trocamos. Mesmo sentindo que havia algo errado, me limitei a aumentar a distância e achar que era o jeito triste dele de ser.

É a primeira vez que eu sinto um pouco da minha história se desfazendo. A primeira vez que alguém que me fez sorrir e chorar de paixão vai embora. E foi embora tão cedo que ando com medo. Medo da minha história (que é o alicerce onde eu tento me segurar) ser tão frágil quanto a minha memória, o tempo e a própria vida.

Depois de passar o dia com os olhos grudados na minha pequenez e na minha saudade, me sinto vivendo uma ilusão estúpida e sem sentido. E, mesmo sabendo tanto da vida quanto eu sei da morte, ainda me sinto com toda a arrogância daqueles que acham que sabem alguma coisa. Até meu ceticismo tornou-se uma fórmula. Sempre achei que viver intensamente bastaria, mas hoje eu me contentaria com qualquer teoria que me convencesse de que viver é algo mais do que respirar e seguir em frente. Hoje, qualquer "intensamente", soa distração e consolo. Ao contrário de todos os dias, estou cagando pra idéia de viver. Talvez eu nunca tenha feito isso direito. E não quero mais escrever porra nenhuma; escrever me consola das minhas dores existenciais e eu não quero mais amenizá-las. Não hoje. Hoje quero que as minhas dores simplesmente se fodam. Hoje eu só quero morrer de saudades em paz. Só isso, nada além disso. E mesmo assim já está tudo escrito...

amarula com sucrilhos

Nenhum comentário: