Havia um passaralho nos cabos telefônicos. Ele, impacientemente, esperava pelo começo da convenção programada para ocorrer no prédio em frente ao fio que ocupava. Batia o pé ansioso, e nada dos convidados começarem a chegar. As pancadas freqüentes de sua pata contra o cabo causavam uma ondulação na freqüência de onda da conversa entre duas fofoqueiras do bairro, que acabavam por entender errado tudo o que escutavam. Mas isso é tema pra outra história. O fato aqui é o passaralho aguardando o evento.
Havia uma faixa enorme sobre a porta do Centro de Convenções, onde lia-se REUNIÃO ANUAL DOS CUS. Sim. Cus. Era uma convenção de cus. E o passaralho, na verdade, não era um passaralho qualquer: era um autêntico Carolho, ave da área Setentrional da Nova Zelândia, onde essa história se desenrola. O Carolho tem uma forma um tanto peculiar, que lhe rendeu o nada simpático apelido de Caraidiasa. Como o termo Caraidiasa pode ser considerado de mau tom ao ser usado em ambientes mais pudicos, convencionou-se chamá-lo apenas CAROLHO.
Às 13:47, pontualmente, começaram a chegar os cus. Vários cus, de todos os tamanhos e formatos e cores e, por que não dizer?, cheiros. Cus com cabelo, cus sem cabelo, cus com pregas, cus sem pregas, cus novinhos, cus já muito gastos, cus bem limpinhos, cus nada higiênicos, cus profissionais, com muitos anos de estrada, cus que ainda estavam na entrada da vida. Era cu que não acabava mais. Reuniram-se todos no enorme saguão e começaram aquelas conversas de cu. Falavam de hemorróidas e novas técnicas de tratamento, de exames de próstatas e novos formatos de supositórios. Alguns argumentavam que proctologistas são apenas medicuzinhos, enquanto outros riam dessas piadinhas infames. Enquanto isso, do lado de fora do Centro de Convenções, toda a população estava absurdamente corajosa. Afinal, quem não tem cu não tem medo, oras.
Nosso camarada Carolho, atento aos acontecimentos, sacou seu walk-talkie e imediatamente comunicou o resto da tropa que a convenção havia começado. Outro Carolho, infiltrado no local do evento, cortou o ar condicionado, e aí o calor neozelandês, opressivo, começou a incomodar os cus. E os cus suavam. E cu suando, todo mundo sabe, não é das coisas mais agradáveis do planeta. E então tiveram a idéia de abrir as janelas.
Era a deixa que os Carolhos de tocaia estavam esperando. Imediatamnte, uma revoada de Caraisdeasas invadiu o saguão. E foi aquele deus nos acuda. Cus em abundância, correndo de um lado pro outro. E os Carolhos fazendo a festa, comendo cus indiscriminadamente, sem o auxílio de qualquer KY que fosse.
Um dos cus, muito sagaz, aproveitou pra saltar pela janela, enquanto nenhum Carolho mirava nele seu olhar cíclope. Saiu do recinto, subiu numa árvore, entrou num ninho, cobriu-se de penas e ficou ali. O que ele não esperava era que o Carolho Passaralho, aquele mesmo, que vigiava disfarçado a porta do local da estranha convenção, visse toda a sua operação. E o Passaralho, muito do velhaco, aproximou-se do ninho.
Fitou o cu com seriedade. E o pobre do cu, coitado, vendo a aproximação de inimigo tão rombudo, encolheu-se de tal modo que por ele não passaria sequer agulha com vaselina. O Carolho então disse, em sua voz tonitruante:
– Cê é cu.
E o cu, cada vez mais encolhido, prestes a sumir em si mesmo, afirmou, com uma vozinha fina de dar dó:
– Sou não. Sou passarinho.
– Passarinho, é?
– É. Passarinho.
O Carolho piscou de contentamento. E o cu piscou, em pânico.
O passaralho aproximou-se. Farejou. Balançou-se pros lados, em êxtase, ao perceber que aquele era um cu ainda jovem. E disse, cinicamente:
– Tô achando que cê é cu.
O cu, pobre coitado, aflito e carregando todo o medo que seu dono levava consigo, já prestes a irromper em prantos e implorar misericórdia, manteve a pose e afirmou, veemente:
– Sou nada! Sou passarinho!
– Passarinho?
– É.
– Que passarinho? Filhote de carolho é que não é.
– Sou sabiá.
– Onde já se viu sabiá roxo?
– É que eu nasci há pouco tempo.
O Carolho, de saco cheio daquela história, querendo logo papar aquele cu e ir participar do banquete no saguão, resolveu jogar sua cartada final.
– Cê é passarinho, então?
– É.
– Sabiá?
– É.
– Então pia.
– Brrrrfffttt.
utopia dilucular
28.8.03
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