RETRATOS
- I -
Começo de tarde em São Paulo. Parada, à espera do metrô atrás da faixa amarela de segurança, olho distraída para as pessoas que me rodeiam.
Chama-me atenção um adolescente, trajando calças largas, jaqueta jeans surrada, ostentando um piercing na sobrancelha de sua cabeça raspada. Ele anda de cá pra lá, impaciente à espera pelo próximo metrô, segurando uma rosa, um único botão, com todo o cuidado do mundo, como se tal rosa pudesse desfalecer ao menor toque. Fiquei imaginando quem seria a pessoa merecedora de tal rosa, carregada com tanto zelo pelo jovem rapaz.
- II -
Tarde fria em São Paulo. Os termômetros marcam 14 graus. Saio do metrô e tento apertar o passo rumo a um velho prédio no centro de São Paulo, situado na Rua Benjamin Constant. Ocorre-me um pensamento: quem foi Benjamin Constant?
Cruzando a Praça da Sé, diminuo o passo e paro em frente à velha Catedral. Nas escadarias, pessoas sobem e descem, cada uma carregando sua fé, sua dor, seu grito por socorro divino, estampados no olhar distante e nas mãos já cansadas de fazer o sinal da cruz. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém ao Deus distante, porém tão real.
- III -
Caminho mais um pouco pela Praça tomada de camelôs vendendo despertadores que apitam estridentes, pessoas apressadas e policiais armados. Avisto uma pequena multidão ao redor de um homem que grita, movimenta efusivamente os braços e se move com grande desenvoltura, como se estivesse num grande palco de teatro.
Alega este homem que com o poder da mente, fará com que um toco de braço (isso mesmo, um toco que começa no cotovelo e se estende até a mão) caminhe em sua direção. O toco não parece ser verdadeiro, talvez seja um pedaço de um manequim, destes que vestem roupas e ficam expostos nas vitrines. De qualquer forma não espero o tal toco se mexer. Vou embora, com medo do Exu baixar no homem que grita cada vez mais alto: "venha, eu rogo, venha".
- IV -
Problemas resolvidos, volto a tomar o metrô rumo a Av. Paulista. Sentada, ao meu lado, uma mocinha de rosto alvo e bochechas saudavelmente coradas, carregando muitos livros em seu colo. Mais uma espiada na moça e vejo que ela carrega livros de Direito Penal. Livros que eu também carreguei um dia com o mesmo cuidado que a jovem estudante, como se daqueles livros fossem surgir uma vocação para a defesa dos direitos fundamentais a qualquer ser humano. A tal jovem começa a folhear um dos exemplares em seu colo. Talvez estivesse passando por sua cabeça que ela se formaria e seria uma operadora do Direito em prol da Justiça. Eu já tive esta ilusão. Torci para que à tal moça, minha ilusão tornasse realidade.
- V -
Avenida Paulista, o sol acanhado ensaia um pouco de calor na tarde seca e fria. Nas largas calçadas da avenida, camelôs vendem bichos de pelúcia, passes, chocolates, perfumes importados, gorros, luvas, bijuterias. É difícil andar em meio à multidão, driblando as bancas dos ambulantes e os buracos na calçada.
Uma mulher, aparentando uns cinquenta anos, está parada em frente ao BankBoston. Seguranças a observam de longe. A mulher está rodeada de sacolas e trouxas sujas. Ela está suja. Grita palavrões a esmo, agacha-se com a cabeça entre os joelhos, levanta-se e berra impropérios em direção ao céu. Seu rosto todo encrespado denuncia a solidão dos loucos.
Entro no prédio onde eu trabalho, guardando os retratos da tarde de uma sexta-feira.
daqui pra frente tudo vai ser DiFeReNtE
26.8.03
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