7.8.03

Vicassé 


- Moço, a gente vai ali pra Avenida Chile. O senhor pega por favor a Praia, Passeio e Lavradio. Chegando na Chile o senhor deixa a gente ali na altura da Senador Dantas, ok?
- Pode deixar.
Ato contínuo, vira para o namorado e pergunta, mexendo na bolsa:
- Pegou o celular?
- Peguei.
Nesse ponto, o motorista dispara:
- A sinhora num imagina. As pessoa isquece esse bichinho aí, esse tar de celular, mais é todo dia aqui no meu carro.
A sinhora imagina que otro dia mêmo uma isqueceu um aqui que custa pra mais de mil cruzeiros. Um anssim, piquinininho e branquinho. Aí intrô uma moça aqui i mi ensinô - qui eu num sei mexê nesses negócio de tecnológio não, num sabe? Ela mi insinô:
"O sinhor aperta essa pinta verde qui tem aí, qui a pessoa aparece lá du otro lado".
Aí eu disse pra ela que eu num sei falá nesse negócio não e ela mi disse:
"Mais aí é só o sinhô fala como si fosse um telefone di verdade".
Aí eu pertei a pinta verde. A sinhora arcredita que u subrinhu da dona do celular apareceu lá do outro lado!? É cada coisa qui esse povo inventa...
- É, mas... moço, o senhor tem que virar a esquerda agora!
- Mas a sinhora num vai pro Centro?
- Vou moço, mas eu quero ir pela Praia e não pelo Aterro - Então ela achou melhor confirmar: O senhor sabe aonde é a Lavradio?
E ele, virando a curva sem nem ver o ônibus que quase pega o táxi:
- É claro qui eu sei. Eu moro ali perto da Cruz Vremeia faiz mais de deiz ano! Cunheço tudinho ali. Pur qui eu vim pru Rio em 22 de feverero de 1951. A sinhora sabe quantus ano tem? Eu sei quantos ano tem! Tem 52 ano. A sinhora e o rapaiz aí nem sonhavam em nascer.
E já fiz é muita coisa dês que cheguei aqui. Já fui cunzinhero, pedrero, copero. Aí o Antônio agora mi ajudô e comprô esse tasqui. A sinhora conhece o Antônio?
- Conheço não moço.
- Conhece não? Mais o Antônio é dono daquele restoranti, de comida minera sabe? Tein treis. E eu como lá de graça, todo dia.
- Que bom, né moço...
- Mais a sinhora num cunhece o Antônio? A gente trabaiemo junto quando cheguemo no Rio. Hoje ele me ajuda mais eu tinha muito mais dinhero qui ele, a sinhora vê. Qui até ganhá na loteria eu já ganhei, num sabe? Foi em 1976.
- É? E o dinheiro?
- Ah, o dinhero cabô, qui dinhero num dura. Num sei nem no qué qui foi. E hoji, cum tasqui, o dinhero num dá pra nada depois que agente paga a diária. Diversão é só televisão memo. Nem nu cinema pudemo i.
- O senhor tem televisão?
- Tenho sim. Comprei em 15 de março de 1986. Tá novinha que eu cuido muito bem dela. E num casei, num tive filho intão num tem ninguém pra quebrá.
- ...
- Agora bom memo era di te um vicassé. Se desse dinheiro pra te um vicassé, aí era bom.
- Um o que moço?
- Vicassé.
- Vicassé?
- É, vi-ca-ssé - e virando o corpo todo para atrás, pra olhar nos olhos da Sinhora: a sinhora num conhece vicassé não?
- Não... é o que?
- É aquele aparelio de pongá fita pra vê o filme em casa.
Foi difícil controlar o riso, mas a Sinhora e o Rapaiz conseguiram. E o namorado pergunta jocoso:
- O senhor está falando do aparelho para assistir filmes com fita? O vídeo cassete?
- É pra assisti filme sim, mas num tem esse nome aí que o rapaiz pongô não. É vicassé.
O rapaiz num cunhece vicassé? Quem diria hem... rapaiz apessoado, dinhero pra tasqui... e num sabe o que é um vicassé!

(...)

- Porque filho de ventre judeu, minha filha, é judeu.
- Quer dizer então que se eu casar com um negão maravilhoso do morro da Mangueira os nossos mulatinhos vão ser todos judeus?

Foi o tempo de armar o sorriso e sair correndo.


dedo de moça

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