3.9.03

Desesperem-se os banguelas, os barrigudos, os de orelhas enormes.

As louras, os mancos, os de dicção atrapalhada.

Os que dobram o polegar pra trás, os que não usam meias, os míopes.

A verdade é que estão, todos, predestinados.

A quê exatamente, não sei. Mas estão.

Penso, por exemplo, que todas as pessoas cujos umbigos se projetam pra fora, como verrugas famintas, devam gostar de torta alemã.

Ou que, numa lógica oposta, todas as pessoas que ganham na loteria devam ter a cabeça chata, as pernas finas e caspa, muita caspa, como o João Alves.

No alto da ladeira da rua Congonhas tem um prédio cuja zeladora é a dona afortunada da maior bunda do mundo. Estou certo de que algo muito significativo há de acontecê-la, cedo ou tarde.

A propósito, lendo o livro de memórias do Nelson Rodrigues - A menina sem estrela - achei o seguinte trecho:

“(...) A cara do marido pode influir no adultério. A cara, ou a obesidade, ou as pernas curtas, ou a papada, ou a salivação muito intensa. Lembro-me de uma senhora que traía o marido. Quando lhe perguntaram por que, ela alçou fronte e respondeu, crispada de ressentimento: - ‘Porque ele sua nas mãos’. Uma outra era infiel porque descobriu apenas o seguinte: - o marido tinha saliva ácida.”

Não sou, pois, o único a notar que a cada característica corporal, conforma-se uma parcela ínfima de destino.

A moça da maior bunda do mundo, veja você, lava a calçada às dez pras nove da manhã, todo santo dia.

Passe lá e poderá vê-la, esplendorosa, com um par marrom de havaianas a calçar-lhe os pés pintados.

Garanto, ainda, que estará metida numa calça de listras verticais azuis.

Até que ponto as dimensões pantagruélicas do seu traseiro influíram na escolha da calça, eu realmente não sei, mas que influíram, influíram.

Influíram e vão continuar a influir em várias outras coisas, inclusive na morte da zeladora.

A dona afortunada da maior bunda do mundo não morrerá de câncer ou num acidente de carro na 262.

Engasgará com a castanha de caju de um sorvete de fim-de-semana.

Ou será atropelada por um avestruz no cio.

Outras mortes seriam muito, muito indignas de suas formas.

Ontem à noite, matei uma formiga.

De tão amarela, resolvi afogá-la.

Morreu fosca, derretida sob o chuveiro quente.

Assassinato no escrotório

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