11.10.03

ESTE LADO PARA CIMA:

* Não entendo como algumas pessoas podem ser tão agressivas, sem ao menos dar a chance de conhecer quem estão agredindo. Decididas a fechar a sentença, a carta, a pontuação de sua respiração, explicando o que não foi perguntado, respondendo somente ao interesse da visibilidade. Incapazes até de sentir um ódio por inteiro. Fiéis aos seus enganos, defendendo algo que não faz parte do sangue, mais preocupadas em ouvir seus pensamentos do que escutá-los fora. Ranzinzas no trânsito dos talheres, chateadas, de vaidade nervosa, com um medo de perceber que estão irremediavelmente sozinhas, com horror da simplicidade e complicando o que não precisa pedir licença. A literatura não é feita para isolar. Lembro de uma frase de Calderon de la Barca: "que farão pelo que ignoro/ se pelo que sei me enterram".

* O elogio da modéstia é a pior vaidade.

* Os justos são discretos. Eles não dependem do troco para contar o que foram.

* Minha incompetência é ficar sozinho no quarto, com o guarda-roupa aberto. Sou favorável à eutanásia das roupas.

* Tenho dificuldades em decorar telefones e nomes. Meu catálogo é folhear um rosto umedecendo os dedos.

* Minha avó ficava horas a bordar. Levantava o pano e se fazia entre as agulhas. Parecia fechar uma ferida, que só ela via. Daí meu desejo de escrever com as unhas, raspando a terra.

* O pessegueiro é o carvão do vento.

* Duas infelicidades não conseguem dialogar. Uma quer ser maior do que a outra. Na hora em que se conta uma tristeza, aumenta-se a história para evitar a concorrência.

* Abolir o dever e as pessoas que acompanho se transformam. Hoje só vejo o dever. Necessito esquecê-lo. Uma criança que retorna de férias e entra em seu quarto como se tudo fosse novo e impossível de brincar em uma única tarde. Quando não damos conta do mundo, estamos vivos.

* Não escrevo por esporte.

* Basta a verdade conviver comigo e ela aprende a mentir.

.:. Fabricio Carpinejar .:.

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