12.10.03

O que é que minha mãe tem

E olha que nem baiana ela é. Mas estava eu dizendo pra ela:

-- Mãe, mãe, Respectivo está vendo apartamentos e tudo mais.
-- Sim, mas ele vai só?
-- Por enquanto, nén? Depois só que eu vou.
-- Sei. Duvido que você agüente ficar em casa e não seguir rapidamente.
-- Ah, oras, digamos que somente não vou porque acho que o papai ia ter um surto, um ataque do coração, bem agora que ele sente a idade chegando, com o aniversário.
-- Mas a gente podia dar aquela geladeirinha que era da sua irmã.
-- E o sofá que era da vovó?
-- Acho que podia também. E tenho uns pratos sobrando. Podia dar pra vocês.
-- Mas o papai, mãe.
E minha mãe estende a palma da mão virada para mim e:
-- Deixa comigo, assossegue-se.
[e eu, internamente: *Noooooossa, quantos progressos!*]

Então eu estou lá no sofá assistindo sei lá a que programa televisivo e chega meu pai e senta-se do meu lado e logo vem minha mãe da cozinha. Isso era já outro dia. E minha mãe:
-- O seu pai queria te perguntar uma coisa.
-- Hm? Coisa?
-- Se você e Respectivo estão pretendo ir morar juntos.
-- Hm, bem... cof-cof-cof -- chega que engasgo. Nesse momeeeeento, agora-agora, não. Depois. Mas pai, você ia ter um surto muito grande?
-- Mas nã, que eu estou bem de olho na movimentação toda.
[e eu, internamente: *Noooooossa, quantos progressos!*]

E seguimos para a cozinha e minha mãe vai lá dizendo como Respectivo é tudo, como ele me traz flores, como ele fez Ciências Sociais e é ateu e admirador do socialimo e da dialética marxista (supostamente atributos que deveriam deixar meu pai babando por Respectivo), como Respectivo é responsável e ajuizado, porque quer comprar um apartamento e como ele só tem 27 anos de idade e fez tudo isso.

E meu pai fica lá, o pobre, sem ter a quem se aliar nessa mini guerra fria. O mundo que gosta de Respectivo versus papai, tentando proteger sua filhinha caçula a quem chama de minhoquinha. Sei que, medeus, estou incrível até agora, como foi que ele aceitou tudo e ainda disse que sim, que a geladeira e o sofá e blablabla a gente podia pegar.

E ainda no outro dia, minha mãe se chega a Respectivo e diz:

-- Dívida eterna, Respectivo.
-- Mas como?
-- Que eu estou fazendo um trabalho sério de convencimento do pai da Ione, pra aceitar a idéia toda de união estável.
Respectivo cora. Respectivo tem medo do meu pai. Meu pai é difícil, mas não é bravo. Mesmo assim.
-- Sim, Respectivo, agora eu vou querer, como pagamento, acarajés para todo o sempre.
-- Tá, tá bom -- Respectivo não sabe onde enfiar a cara.
-- Daquele da Liberdade, todo domingo.
-- Tudo bem, tudo bem. Feito.

DEUS! Minha mãe me vendeu por acarajés!

O primeiro fim-de-semana passou e Respectivo não comprou o acarajé da minha mãe. Vamos torcer para ela não fazer um trabalho de convencimento contrário do meu pai.

a menina do didentro

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